Depoimento de Palatnik
Natal / Telavive
Sou potiguar com muito orgulho. Nasci na Rua Ulisses Caldas, em Natal. Minha família costumava fazer viagens periódicas para visitar meu avô que morava em Telavive e na última visita fomos surpreendidos pela 2ª Guerra Mundial e não foi possível retornar ao Brasil, pois o Mar Mediterrâneo estava minado pelos submarinos alemães.
A chave
A guerra acabou em 1945 e em 1948 estava de volta ao Brasil. (…) um artista amigo, Almir Mavignier, me levou para conhecer alguns colegas (…) fomos ao Hospital Psiquiátrico onde trabalhava a Dra. Nise da Silveira com seus pacientes. Foi idéia de meu colega fazer um ateliê no hospital, sem professores, oferecendo as telas, pinceis e tintas. (…) Eu estava diante de obras fantásticas com incrível densidade e presença. Comecei a comparar meu trabalho com o deles, onde percebi as imagens emergindo das profundezas do mundo inconsciente com extraordinária força e beleza. A coerência estava evidente na fusão de imagem e linguagem pela necessidade de comunicação.
Pedrosa
Tive a sorte de conhecer, à época, Mário Pedrosa, um crítico de arte com uma extraordinária cultura universal. (…) ele me assegurou que o mundo não acabara e que a compreensão de outros aspectos da forma era importante para os artistas, mencionando a psicologia da forma. (…) Cheguei à conclusão que um artista não deveria estar condenado a pintar, esculpir, desenhar ou gravar. Senti que, com o arsenal de conhecimentos de mecânica e tecnologia adquiridos durante a guerra, eu poderia mover algo no espaço e não apenas representar o movimento. Eu poderia associar tecnologia e estética e ultrapassar as limitações estáticas nas artes visuais.
Em 1949 abandonei pinceis e tintas e comecei a projetar e construir dispositivos e articulações a serem conectados a motores, a fim de conseguir os esperados movimentos.
Um dia a falta de energia me obrigou a usar algumas velas e observando as sombras se movendo tive a imediata idéia de usar luz em meu trabalho. Fiz algumas pesquisas com luz e descobri que a ordem cromática da luz é muito diferente dos pigmentos. Em dois meses mudei o projeto e comecei a construir uma máquina que viria a sofrer modificações ao longo de quase dois anos. A intuição ajudou muito e quase sempre consegui o resultado esperado.
Em 1951 terminei a máquina que incorporava luz e movimento. Embora todos os componentes houvessem sido improvisados, Mário Pedrosa insistiu para que eu mandasse para a Bienal Internacional de São Paulo. (…) Eu mesmo não sabia como classificá-la e foi Mário Pedrosa que lhe deu o nome de “cinecromático”.
Em 1964 iniciei a elaboração de objetos cinéticos nos quais motores, engrenagens e articulações integram o campo visual. Em 1966 comecei a desenvolver a idéia de que a dinâmica podia ser real ou virtual. Pensava em um procedimento assemelhado à composição de uma partitura musical, que pudesse ser aplicado às artes visuais.
A madeira tem sua informação secreta revelada cortando-se em camadas finas e revelando crescimento e transformação nos veios e nódulos, registrados ano após ano. Assim, fiz alguns trabalhos usando lâminas de madeira e criando progressões pelo posicionamento rítmico dessas lâminas.
Com base em princípio semelhante, imaginei em 1968 que as bordas de papel poderiam revelar o potencial dinâmico desse material. Assim, desenvolvi um processo binário de corte de cartolina com facas especiais preparadas obedecendo ao meu desenho. Após o corte, manipulava centenas de lâminas de cartolina cujo desenho seguia uma determinada intenção, mas, durante o processo ocorriam mudanças e surpresas. Era um jogo que incluía improvisos, parecido com música ou poesia. Músicos manipulando notas musicais e poetas manipulando palavras ou códigos fonéticos.
(…) Incluía outras técnicas como a pintura em vidro e o uso de resina poliéster fundida.
(…) fiz também alguns objetos lúdicos usando aspectos da física e inventei um jogo de percepção apreciado por jogadores de xadrez (na verdade minha intenção era apenas desenvolver a percepção de meus filhos).
Mais recentemente, incorporei um sistema binário em minhas pinturas, cortando superfícies pintadas em ripas finas (com corte a raio laser), seguindo-se a manipulação das ripas para compor as imagens (sempre com intenção inicial sujeita a ajustes durante o processo).
Tecnologia e Arte
Não tenho dúvidas em minha relação com a tecnologia e compreendo que essa tecnologia não significa apenas a manipulação de máquinas, mas é um processo dinâmico universal para melhorar nossa adaptação ao mundo em que vivemos.
Nossa sobrevivência depende da tecnologia e é evidente que cientistas têm maior afinidade com a tecnologia. O artista, porém, sente a sutileza da forma e se interessa por seu aspecto externo e em seu processo imaginativo, tendendo a ignorar outros aspectos. O cientista, por sua vez, tende a ser mais interessado na filosofia científica da forma e em sua estrutura interna, mas entendo que ambas as atividades tem raízes comuns.
Foi mais uma vez, Mario Pedrosa que em certa ocasião me disse que há uma unidade espacial no processo complexo da física, biologia, química, matemática, psicologia, musica e arte, assim como também há um princípio unificador que governa toda a multiplicidade de formas existentes no universo.