Um legado profundamente negro

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Othelo e a grandeza de uma História

por Maria Marighella, presidenta da Funarte

Quando se toma a decisão de contar uma história, quantas outras também são contadas? Este é um chamado da obra e da vida de Grande Othelo à fabulação coletiva de novos imaginários. Por meio de poemas, partituras, roteiros, objetos, cartas, fotografias, folhetos, peças teatrais, indumentárias e troféus, os quais revelam a importância desse artista, somos convocados a um mergulho na trajetória de alguém que resistiu a apagamentos sistemáticos. O que esse percurso nos diz?

Grande Othelo, 110 anos de um inquieto criador do Brasil. Ator, comediante, cantor, produtor, compositor e o primeiro homem negro a ser destaque no teatro, no cinema e na televisão. O seu acervo se encontra, desde 2008, sob a guarda do Centro de Documentação e Pesquisa da Fundação Nacional de Artes (Cedoc/Funarte), do Ministério da Cultura (MinC).

Esta Ocupação, uma parceria entre o Itaú Cultural (IC) e a Funarte, no contexto do Programa Funarte Memória das Artes, reconhece a relevância da memória na consolidação do direito às artes neste país. E é por meio da difusão de acervos que instituições e agentes podem promover o acesso à cultura e se comprometer, de maneira compartilhada, com a reconstituição da história de todos nós.

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Grande Othelo aos 10 anos, na Companhia Sebastião Arruda, Campinas-SP, 1925 | imagem: Acervo Funarte/Centro de Documentação e Pesquisa

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Othelo, ocupando-se de si (nós)

por Deise de Brito/Arquivos de Okan

É preciso desviar da tendência binária de interpretação para dialogar, de maneira honesta, com a trajetória que Grande Othelo percorreu. Circuitos em arte-vida-arte constituídos por curvas estreitas e próximas a precipícios. Caso contrário, precipitada será a nossa forma de conversar com a presença do ator. Por isso, em contracurva ao maniqueísmo e às dicotomias, é necessário maleabilizar a escuta para sentir um artista com muitas manobras de si. Se nos ocuparmos em prosear com o homenageado a partir de modos ampliados de percebê-lo, além de agirmos de modo mais justo, conseguiremos dançar na cadência do seu ritmo, entre tempos e fronteiras.

Nessa orientação, nós nos envolveremos nas narrativas não publicizadas sobre o seu complexo trajeto, conheceremos outros Othelos em variadas criações escriturais realizadas por ele mesmo, seremos cúmplices de sua contribuição e de sua participação em organizações como a Associação Brasileira de Atores Cinematográficos, continuaremos a tecer parcerias negras, respeitando nossas diferenças, ao nos inspirarmos em sua amizade com Abdias Nascimento e em seu apoio, por meio de ações, ao Teatro Experimental do Negro (TEN).

Por fim, compreenderemos o percurso de alguém que caminhou pela dinâmica da flexão-extensão não somente se dobrando para, algumas vezes, caber, mas também dedicando as dobradiças do seu corpo para dilatá-lo, borrar imagens cruelmente cristalizadas e ocupar-se de si (nós), dentro do ato cênico e fora dele.