Ocupação

No dia 22 de junho de 1973, uma sexta-feira, Hilda Hilst (Jaú, SP, 1930 – Campinas, SP, 2004) acordou com o olho direito inchado. Na tarde de quinta-feira ela havia recebido um exemplar do seu livro Qadós – que seria lançado 11 dias depois – e passara a noite e a madrugada lendo o material enfim editado e impresso. “Estou tão contente com o meu Qadós”, escreveu ela no seu diário. “Estou muito envaidecida e peço perdão aos guias, mas não conheço texto algum tão vigoroso e belo como o meu. Perdão, meus guias. Fui apenas um instrumento, mas que enorme emoção.”

O desabafo orgulhoso mostra como Hilda encarava o seu trabalho. E essa elevada estima, por sua vez, acabava intensificando um outro desabafo, este pesaroso, que a autora não se cansou de fazer ao longo de quase toda a carreira, iniciada em 1950: o que dizia respeito à diminuta repercussão de sua obra entre o público leitor. Seja por causa das reduzidas tiragens dos livros, seja em decorrência da confusão que existe entre um texto complexo e um texto hermético, a produção de Hilda – mesmo contando com a admiração da crítica especializada e do júri de prêmios literários – só começou a ganhar mais espaço no início dos anos 2000, em boa medida graças à reedição de sua obra completa por uma editora de grande porte.

Por meio do programa Ocupação, que explora e homenageia a trajetória de artistas referenciais em diferentes áreas de expressão, o Itaú Cultural tenta fazer com que o trabalho da poeta, ficcionista, dramaturga e cronista seja ainda mais lido, analisado, admirado. Realizada em parceria com o Instituto Hilda Hilst (IHH) – organização sediada na Casa do Sol, chácara em Campinas onde a autora residiu e criou durante os seus últimos 38 anos de vida –, a Ocupação Hilda Hilst convida antigos, novos e futuros leitores da escritora para uma mostra em primeira pessoa, composta quase exclusivamente de textos e desenhos produzidos pela própria Hilda, como rascunhos manuscritos, originais datiloscritos e anotações diversas colhidas em diários, cadernos e outras fontes de seu arquivo pessoal – mantido atualmente pelo IHH e, principalmente, pelo Centro de Documentação Cultural “Alexandre Eulalio”, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), de onde saíram cerca de 150 dos aproximadamente 200 documentos que compõem a exposição.

Alguns desses documentos são reproduzidos neste site, que traz também entrevistas com familiares, amigos e pesquisadores da obra – formando, com a mostra e o conteúdo elaborado para a publicação impressa (acessível em issuu.com/itaucultural), um conjunto voltado tanto para um público já familiarizado com o trabalho de Hilda quanto para aqueles que estão dispostos a mergulhar nesta produção que, tão ruidosa, rumorosa, polifônica, permaneceu por muito tempo ancorada num relativo silêncio.