E o que foi a vida?

vim ao mundo num leva e trás

imagem: Instituto Hilda Hilst

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Os pais de Hilda, Bedecilda Vaz Cardoso e Apolônio de Almeida Prado | imagem: Instituto Hilda Hilst

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Bedecilda, mãe de Hilda

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Era assim: o ódio e o amor

Os pais de Hilda Hilst, Bedecilda Vaz Cardoso e Apolônio de Almeida Prado Hilst, conheceram-se no Rio de Janeiro. Depois de Apolônio ter retornado à cidade em que morava – Jaú, em São Paulo –, Bedecilda viajou à sua procura. Hilda conta, em entrevista à jornalista e poeta Maria Luiza Mendes Furia: “Chegando lá, ela não tinha ideia de como encontrar esse homem. Diziam pra ela que ele frequentava um bordel de Bauru, que ele morava na fazenda e só saía pra ir a esse bordel. Ia e levava pilhas de livros, pedia uma companhia e tal, queria a mulher lá, mas ficava só estudando a noite inteira.” Hilda não entra em detalhes, porém podemos crer que se apaixonaram: Bedecilda alugou e mobiliou uma casa em Jaú e “mandou a conta pra ele”; Apolônio passou a “comprar roupas em Paris pra ela”.

Apolônio era fazendeiro, proprietário de plantações de café, além de jornalista, poeta e ensaísta. Bedecilda era filha de imigrantes portugueses, vinda de um casamento em que teve três filhos – Rui Cardoso, hoje com 95 anos, e duas meninas, que faleceram pequenas. O relacionamento desagradou a família do marido. Sua avó “tinha ódio” de sua mãe: era uma época em que “Almeida Prado só casava com Almeida Prado” (Maria do Carmo Ferraz de Almeida Prado, apesar disso, gostava da neta e ajudou a custear seus estudos).

No entanto, a história do encontro entre seus pais aceita outra versão. Em vez de ter ido apenas procurá-lo no bordel, diz-se que Bedecilda teria sido meretriz no mesmo lugar – outra explicação para o “horror que minha família tinha dela”. Em uma confissão tardia, a mãe lhe confirmara essa hipótese. “Quando estava bem velha, 67 anos, começou a me contar aos prantos que tinha sido prostituta mesmo. Falei: ‘Ah, tá bom, mamãe. Deve ter sido uma experiência incrível!’”

Bedecilda era dona de uma dramaticidade que contemporâneos de Hilda – como o jornalista Humberto Werneck – descrevem ser própria também da filha. “Ela se ajoelhava, fazia caras e bocas, atirava-se no chão. Tanto é que meu pai fez aquele poema: “ames ou não ó minha amada / quero-te sempre boa atriz / mentir amor não custa nada / e custa tanto ser feliz”.

“É menina. Que azar!”

“Ela queria muito ter filhos. Ele não queria”, afirma a escritora. “Quando ela ficou grávida, ele ficou irritadíssimo, pediu que ela tirasse o filho.” Diante do ultimato, Bedecilda se consultou com o médico Celestino Bourroul, diretor da então Faculdade de Medicina de São Paulo, hoje Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), que a desaconselhou. “Eu nasci por causa desse homem. Porque ele disse pra minha mãe: ‘Não tire a criança!’ Meu pai fez de tudo pra ela abortar, ela tomou injeções, mas parece que eu não saí de jeito nenhum.”

Em 21 de abril de 1930, Hilda nasceu. Quando responderam a Apolônio que era uma menina, ele teria dito: “Que azar!” Isolou-se em suas terras, cortou recursos da mãe: “Leite, mercearia, tudo. Queria que ela se fodesse. Ficou com ódio”, contou Hilda.

Entretanto, havia um contraponto à raiva e ao desprezo: “Ao mesmo tempo os dois tinham uma paixão louquíssima.” Essa paixão se traduzia em violência. Apolônio “arrebentou” o consultório de um ginecologista onde Bedecilda fazia um exame, porque “o ciúme era tanto”. Ela, por duas vezes, tentou assassiná-lo.

Hilda descreve: “Ele estava na casa da mãe, ela entrou com um revólver. Minha avó abriu os braços: ‘Mate-me a mim!’ [Bedecilda respondeu:] ‘A senhora não interessa. É ele mesmo.’ Depois quis matá-lo também. Na hora em que ele ia chegar, pôs uma faca enorme numas toalhas. Quando ela estava esperando na varanda, passou um homem: ‘Eu queria entregar um livro pra senhora. Estou notando que está com um olhar triste.’ Deu um livro espírita pra ela. Ela começou a ler o livro e dormiu. E passou a hora em que ele ia chegar à casa da minha avó. Quando ela acordou, já era de noite. Mas olha que coisa. Misteriosíssima e tal.”

Tudo isso, segundo a autora, “porque ela tinha paixão, mas era assim: o ódio e o amor”. Separaram-se em 1932. Em 1935, Apolônio foi diagnosticado com paranoia esquizoide – por causa dessa doença hereditária, Hilda se convenceu de não ter filhos.

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Bedecilda e Hilda

Hilda com sua mãe, Bedecilda Vaz Cardoso | imagem: Instituto Hilda Hilst

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Ruy Cardoso: Sobre Apolônio e Bedecilda

Mamãe era uma mulher rígida na educação, fazia questão que estudássemos e sempre se preocupava com isso. Conversava muito sobre não guardarmos preconceitos, sermos autênticos e não termos medo de nada. Dizia que o importante era buscarmos aquilo que queríamos. Era uma mulher muito determinada. Não era amorosa, mas era carinhosa e atenciosa no seu jeito de ser.

Eu e o Apolônio [de Almeida Prado Hilst, pai de Hilda] tínhamos um bom relacionamento enquanto ele estava bem. Era atencioso, mas não falava muito, nunca tentou ser como um pai, nem com a Hilda. Os sinais da sua loucura [Apolônio sofria de esquizofrenia] foram piorando e, em 1932, minha mãe se separou – essa foi a principal causa da separação, pois minha mãe não estava mais aguentando. Certa vez ele chegou a agredi-la, lembro bem disso, foi um empurrão que a jogou no chão. A família dele optou por interná-lo em um sanatório, e fiquei sem vê-lo por muitos anos.

Ruy Cardoso é irmão de Hilda por parte de mãe.

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Roberto Teixeira Cardoso: Sobre Bedecilda

Minha avó foi rígida como mãe, como avó era extremamente carinhosa e nada rigorosa. Era ótima pessoa, apenas tinha uma personalidade muito forte, não gostava de ser contrariada. Lembro de várias passagens divertidas com ela nesse sentido. Quando fomos almoçar em O Gato que Ri, no largo do Arouche, um restaurante fino na época, antes de entrarmos minha avó viu um cão vira-lata com fome, que fez festa para ela. Freguesa assídua e respeitada do local, quis entrar com o cachorro e dar algo para ele comer. O maître explicou que infelizmente não poderia entrar, e ela ficou indignada. Chamou um rapaz que ajudava a estacionar os carros e disse para ele ficar segurando o cachorro alguns minutos, dando a ele uma boa gorjeta. Entrou, pediu um excelente filé, cortou e, para desespero e protestos do maître e do dono, sentou na calçada ao lado do cachorro e esperou ele comer tudo, no prato do restaurante…

Roberto Teixeira Cardoso é sobrinho de Hilda.

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Hilda, em março de 1944 | imagem: Instituto Hilda Hilst

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Mania de Perguntar

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Eu Quis a Santidade Criança

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Hilda, em 1944 | imagem: acervo Instituto Hilda Hilst

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Açucenas e Boninas

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Ruy Cardoso: Fiquei feliz por ela não ter me dado ouvidos

Eu e Hilda sempre fomos próximos, embora as viagens e a vida social que ela levava ocupassem muito do seu tempo. Hilda vivia tudo de forma intensa, principalmente os romances, mas foi uma pessoa bem presente. Temos fotos suas no meu casamento e no batizado dos meus filhos – ela foi a madrinha da minha caçula, a Beatriz. Com a mudança dela para a Casa do Sol [moradia que a escritora construiu em Campinas, nas terras da família] e, antes, a minha, para Santos, as visitas ficaram mais raras e também nos afastamos um pouco no período da internação da mamãe – começamos a discordar mais, especialmente em relação a negócios. Mas nos amávamos muito, apesar das nossas enormes diferenças em relação a quase tudo: família, casamento, finanças, filhos, valores etc.

A Hilda nasceu em 1930 e eu em 1920. Lembro bem dela criança – eu ficava brincando com minhas coisas, mas tinha que olhar a Hilda. Morávamos em Jaú e depois fomos para Santos, mais ou menos em 1932. Depois, quando estávamos em São Paulo, ela foi para o colégio interno, o Santa Marcelina [tradicional escola católica de São Paulo], e eu para o mais rígido, o Rio Branco. Passávamos os fins de semana juntos. Mais tarde, cursamos o Mackenzie e tínhamos mais tempo juntos, apesar da diferença de idade.

Com dez anos de diferença, Hilda já começou a viver em um meio mais liberal, desde o colégio até a sociedade. Eu percebia isso, conversávamos, eu alertava sobre os riscos que eu via, mas ela tinha seu próprio ponto de vista. Respeitei.

Acompanhei a carreira literária dela desde o início. Não concordava muito com a ideia, preferia que exercesse a profissão de advogada, sabendo das dificuldades financeiras que ela poderia vir a ter – chegamos a discutir por causa do seu jeito de tratar das finanças, sempre achando que o dinheiro e a fama viriam… –, mas aos poucos fui me acostumando. Com o passar dos anos e com a importância dela na literatura aumentando, fiquei feliz por ela não ter me dado ouvidos.

Ruy Cardoso é irmão de Hilda por parte de mãe.

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Hilda e Lygia Fagundes Telles | imagem: acervo Instituto Hilda Hilst

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Livre em Essência

Jorge da Cunha Lima é escritor, jornalista e gestor cultural. Em poesia, publicou Ensaio Geral, Mão de Obra e Véspera de Aquarius. Também lançou o romance O Jovem K e a antologia de artigos Cultura Pública. Foi secretário estadual durante o governo Franco Montoro (1983-1987) nas pastas das Comunicações e, depois, da Cultura; presidente da Fundação Padre Anchieta (1995-2004) e da Fundação Cásper Líbero (1987-1989); e diretor do jornal Última Hora e da revista Senhor Vogue. É colunista do IG (jorgedacunhalima.ig.com.br).

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Mascote da São Francisco

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Mulher que se Pensa Não é Levada a Sério

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