essa extensão de mim
Ai meu Senhorzinho, se me matam desaparece a casa de Agda-andorinha, essa extensão de mim, casa que não foi feita para morar mas para ser pensada, casa-caminho-morada existindo no dentro de mim.
[Kadosh, “Agda”, pg. 116]
a casa é como gente
Que a casa é como gente e traiçoeira, que se encolhe ou se estende, se adensa ou se adelgaça dependendo da alma de quem nela habita, que dá poderes à carne, luxúria e largueza se a alma é luxuriosa e larga, e solidão e abismo se o que a alma pretende não couber na mão espalmada de um Senhor que ao mesmo tempo é humano, divino, e quase tigre (…).
[Kadosh, “Agda”, pg. 118]
conversão à casa
A história da mudança de Hilda para a Casa do Sol, em Campinas, é uma história de conversão por meio da literatura e para a literatura, Por meio da literatura, pois é Relato para El Greco, autobiografia do escritor grego Níkos Kazantzákis, que lhe inspira alhear-se do convívio urbano e de alta sociedade com que se acostumara. Para a literatura, porque, como ele, a escritora isola-se para alcançar a disciplina necessária para escrever, o isolamento necessário para compreender.
O terreno em que ela construiria sua casa com traços de monastério fazia parte de terras mais amplas que eram de sua mãe, Bedecilda Vaz Cardoso. Escolheu aquele local específico por causa de uma imensa figueira – a primeira coisa posta de pé foi uma mesa de pedra ao lado da árvore. Contemporâneos contam que ela “primeiro civilizou a figueira, depois construiu a casa”. Em “Ode Descontínua e Remota para Flauta e Oboé: De Ariana para Dionísio”, ciclo de Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão, de 1974, Hilda verseja:
[…]
Três luas, Dionísio, não te vejo.
Três luas percorro a Casa, a minha,
E entre o pátio e a figueira
Converso e passeio com meus cães
[…]
criação e convívio
Construída sua nova moradia, Hilda, entretanto, não estava isolada. A Casa do Sol tornou-se um espaço de encontro de artistas, jornalistas e pesquisadores. Eram seus visitantes os escritores Lygia Fagundes Telles, Caio Fernando Abreu e Olga Savary; os críticos literários Leo Gilson Ribeiro e Nelly Novaes Coelho; a artista visual Maria Bonomi; os físicos Newton Bernardes e Cesar Lattes, entre outros. A presença da proprietária no ambiente era central, aguda, marcante, estimulante.
O minidocumentário que apresentamos nesta seção tenta captar esse cotidiano – a um tempo reservado e em ebulição. Os métodos de criação de Hilda, os amores e memórias da casa transparecem nos relatos de Olga Bilenky, Daniel Fuentes e Jurandy Valença, que conviveram com ela. Ainda mais, reunimos registros da rotina feitos por ela própria: lembretes em agendas, sonhos anotados e outros.
Hoje, após a morte da autora, a Casa do Sol mantém-se dedicada à criatividade. Sede do Instituto Hilda Hilst (IHH), é aberta a residências artísticas e espetáculos teatrais. Saiba mais sobre os projetos do IHH no site da instituição.
Tem que mudar tudo, eu tinha que escrever
Seção de vídeo
minidoc Casa do Sol
Daniel Fuentes é presidente do Instituto Hilda Hilst, que gere parte do legado da escritora. Seus pais, a artista plástica Olga Bilenky e o escritor José Mora Fuentes, foram muito próximos de Hilda e fundaram a instituição. É produtor audiovisual e fundador da Catatonia Filmes.
Jurandy Valença é artista visual, curador independente e jornalista. Morou com Hilda de 1991 a 1994 e é hoje diretor de projetos do Instituto Hilda Hilst. Produz obras fotográficas desde 1998 e participou de cerca de 55 exposições, coletivas e individuais. Publica textos sobre arte nas revistas Bamboo, Dasartes e Mag! e é redator do Mapa das Artes: São Paulo.
Olga Bilenky é artista plástica. Participou da fundação do Instituto Hilda Hilst e dirige a Casa do Sol, moradia de Hilda, onde conviveram por longos períodos a partir da década de 1970. No decorrer da convivência, colaborou com projetos da escritora: fez a identidade visual do álbum Ode Descontínua e Remota para Flauta e Oboé: De Ariana para Dionísio (2006), de Hilda e Zeca Baleiro; ilustrou a antologia Hilda Hilst: Teatro Reunido (2000); e produziu as capas de Rútilo Nada; A Obscena Senhora D; Qadós (1993) e Cantares de Perda e Predileção (1983). Após a morte da autora, realizou a exposição Hilda Hilst: O Vermelho da Vida (2006), no Sesc Campinas, e participou, com o quadro Mandala para Hilda, da mostra Hilda Hilst: 70 Anos (2000), no Sesc Pompeia, na cidade de São Paulo.
Dia a Dia
mesa de pedra
O Portão
hilda e mora
hilda e olga
mapa de humor
Seção de vídeo
Cotidiano
Luiza Mendes Furia é jornalista, poeta e tradutora. Amiga de Hilda, atuou como sua assistente, datilografando alguns livros e organizando o acervo. Lançou os livros de poesia Madrugada e Outros Poemas (1978) e Inventário da Solidão (1999), além de ter participado de antologias e periódicos. Também publicou o livro infantil O Travesseiro Mágico (2013). Mantém o blog litera-mundi.blogspot.com.br.
daqui a 50 anos
diário
para mora fuentes (1)
para mora fuentes (2)
para daniel fuentes
cadê meu uísque?
lista das pessoas que perdi
Seção de vídeo
Porta-voz do Pouco Visível
Maria Bonomi é artista visual. Sua obra abrange gravura, arte pública, figurino e cenografia. Fez a capa de Kadosh (1973) – à época, grafado Qadós. Amiga de Hilda, conviveu com a escritora antes e depois de sua mudança para a Casa do Sol.