Exílio

(1968-1981)

Abdias Nascimento viveu 13 anos exilado, de 1968 a 1981. Na verdade, o período que passou fora do Brasil – principalmente nos Estados Unidos, com uma temporada de um ano na Nigéria, entre 1976 e 1977 – foi um autoexílio. Abdias não foi forçado diretamente a sair do país, mesmo que o cenário político não fosse dos mais adequados para um homem que militasse desde a década de 1950 pelo movimento negro em vários eventos e circunstâncias.

A ida para os Estados Unidos se deu por conta de uma bolsa de estudos concedida pela Fairfield Foundation, em Nova York, a princípio com duração de dois meses. Com o decreto do AI-5 no Brasil em dezembro de 1968, marco da perseguição desenfreada aos opositores do regime militar, tornou-se oportuno para Abdias buscar formas de estender sua permanência no exterior.

Durante o tempo em que viveu fora, trabalhou como professor visitante em universidades – como a Yale e a Wesleyan – e deslanchou de vez como artista plástico. Foi lá que ele criou boa parte da sua obra em pintura, além de ter sido convidado a realizar várias exposições e curadorias.

Também durante esse fértil período, Abdias entrou em contato com o pan-africanismo, ideologia que era fortemente discutida nos congressos que ele passou a frequentar no autoexílio. Entende-se por pan-africanismo o movimento que prega a união de todos os povos da África a fim de fortalecer o continente no cenário internacional. Ser estrangeiro – brasileiro nos Estados Unidos – e ser também integrante dessa diáspora– brasileiro e com origem africana – fortalece o conceito pan-africanista na visão de mundo de Abdias.

Em dissertação apresentada ao Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP), Tulio Augusto Samuel Custódio trata do autoexílio de Abdias e do quanto isso trouxe mudanças em sua vida e em sua militância. “Nascimento vai para o autoexílio como artista e retorna como líder. Seu discurso ideológico no período passa pela incorporação de elementos transnacionais, como pan-africanismo e afrocentrismo, que lhe dão novos sentidos para refletir sobre cultura negra e sobre a questão racial no Brasil. Além dessa entonação em sua ideologia, o autor reconstrói sua própria trajetória, relendo suas experiências do passado à luz de uma nova perspectiva de identidade negra, sendo essa transnacional e diaspórica”, ressalta em um trecho da dissertação.

Outro fato marcante do período vivido nos Estados Unidos foi o casamento com Elisa Larkin. Abdias conheceu aquela que viria a ser a mãe de Osiris, seu terceiro filho, e sua companheira de vida e batalha quando foi contratado como professor da Universidade do Estado de Nova York, na cidade de Buffalo. A aproximação foi facilitada porque Elisa, que havia sido intercambista no Brasil na adolescência, sabia falar português. Abdias, apesar de morar fora há alguns anos, não falava inglês com fluência, afirmando que ceder ao idioma estrangeiro seria como ser colonizado duas vezes.

Buffalo, Nova York, 1978: casamento de Abdias Nascimento e Elisa Larkin. À frente, os celebrantes sufi Robert e Miriam Minkoff
Buffalo, Nova York, 1978: casamento de Abdias Nascimento e Elisa Larkin. À frente, os celebrantes sufi Robert e Miriam Minkoff | Acervo Ipeafro

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Cronologia - Estados Unidos

1969 – Abdias hospeda-se incialmente na casa da pintora Ann Bagley e retoma a pintura. Trabalha como conferencista visitante da Escola de Artes Dramáticas da Universidade de Yale.

1970 – Abdias expõe seus trabalhos na Galeria de Arte Africana, em Washington D.C.

1971 – Funda a Cadeira de Culturas Negras no Centro de Estudos Porto-Riquenhos do Departamento de Estudos Americanos, no campus de Buffalo da Universidade do Estado de Nova York. Promovido a professor associado, Abdias permanece no cargo até 1981.

1974 – Portando documentos que atestavam a sua condição de imigrante provisório, Abdias viaja ao Brasil, onde, nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, tenta organizar a documentação para legalizar a sua situação nos Estados Unidos.

1977 – Convidado pela Unesco, viaja à Nigéria para participar do II Festival Mundial de Artes e Culturas Negras e Africanas, realizado em Lagos. Tendo seu nome vetado a pedido do governo militar e sem contar com o respaldo da delegação brasileira, Abdias Nascimento distribui o texto da conferência entre os congressistas e publica o seu conteúdo em diversos periódicos nigerianos.

1978 – Publica o livro Sortilégio nos Estados Unidos, com tradução de Peter Lownds. Casa-se com Elisa Larkin em Buffalo, Nova York.

1979 – Mesmo morando nos Estados Unidos, passa longos períodos no Rio de Janeiro, onde, com Leonel Brizola, trabalha na fundação do PDT.

1980 – Participa do II Congresso de Cultura Negra das Américas, realizado no Panamá. Nessa ocasião, Abdias apresenta os principais pontos do conceito de quilombismo, que se constitui em paralelo à afrocentricidade de Molefi K. Asante.

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Paulo Freire e Abdias Nascimento em 19876.
Guiné-Bissau, 1976: Paulo Freire e Abdias Nascimento | Elisa Larkin Nascimento/Acervo Ipeafro

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Abdias Nascimento em evento do Centro Cultural Afro-Americano de Buffalo, Nova York (Estados Unidos) em 1978
1978: Abdias Nascimento em evento do Centro Cultural Afro-Americano de Buffalo, Nova York (Estados Unidos) | Ron Wofford/Acervo Ipeafro

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Artista plástico

Foi no exílio que Abdias assumiu totalmente seu lado artista plástico. Foi nos Estados Unidos que ele criou boa parte da sua obra em pintura, além de ter sido convidado a realizar várias exposições e curadorias.

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Abdias Nascimento em julho de 1978
Julho de 1978 | Elisa Larkin Nascimento/Acervo Ipeafro

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Orikí da Elisa

Amor em saudade
    desatado
    de carência física
embotado

Amor de amor pleno
tranbordante
música pungente
latejante

Lateja amor as têmporas
as taclas teclam amor
agudo punhal inclemente
apunhalando a dor

Dor do desamor que
não é meu
nem teu
meu é o
bemquerer que não morreu
associado partilhado
na partilha do que é
meu e teu

Teu e meu na brancura do Obatalá
no negrume de Laroiê
nos peixes dourado
da mamãe oxum
oraieieu Exu saravá

Amor saudade corimba
danço minha lágrima
enquanto no tambor
tua imagem crescente
multiplica minha força
expande meus horizontes
transforma a vida
num grito
feliz na afirmação
de um
de dois
de todo o humano
em nós

Amor unijugado
no trabalho a quatro mãos
na luta compartilhada
da esperança em comunhão
ao ritmo das coisas belas
ao gosto agreste do bom
do belo que profetiza
a ternura que és tu

Elisa

 

Rio de Janeiro, 1 de julho de 1980

 

Poema publicado no livro Axés do Sangue e da Esperança (Orikis).

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Nova York (Estados Unidos), 1978: Lélia Gonzalez, Abdias Nascimento e Leonel Brizola em encontro promovido por Abdias
Nova York (Estados Unidos), 1978: Lélia Gonzalez, Abdias Nascimento e Leonel Brizola em encontro promovido por Abdias | Elisa Larkin Nascimento/Acervo Ipeafro

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Cronologia - retorno ao Brasil

1981 – Ainda atuando como professor da Faculdade de Middletown, em Connecticut, realiza viagens ao Brasil e participa da organização do PDT. Em São Paulo, funda o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro), filiando-o à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Participa ativamente da criação do Memorial Zumbi. O projeto prevê a construção de um polo de cultura na Serra da Barriga, onde anteriormente havia sido instalado o Quilombo dos Palmares, no estado de Alagoas.

 

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Abdias Nascimento e Mestre Didi, na 33ª reunião do SBPC - Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, em Salvador (BA) em 1981
1981: Abdias Nascimento e Mestre Didi, na 33ª reunião do SBPC - Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, em Salvador (BA) | Elisa Larkin Nascimento/Acervo Ipeafro