A incessante trajetória de uma artista apaixonada pelo movimento
por Joana Ribeiro da Silva Tavares
Angel Vianna é descendente de libaneses cristãos. Curiosa e observadora, sempre sentiu a necessidade de se movimentar. De Minas Gerais ao Rio de Janeiro, onde edificou sua escola-casa, percorreu uma trajetória rara para as mulheres de sua época. À revelia dos casamentos arranjados entre primos, tradição entre os Abras, Angel escolheu como marido o amigo e colega de balé Klauss Vianna – com quem desenvolveu suas pesquisas sobre corpo e movimento.
Angel teve formação em balé clássico nos anos 1940, na escola do mestre Carlos Leite, em Belo Horizonte, estreando no Ballet de Minas Gerais. Fascinada pelas artes, estudou piano com Francisco Masferrer e desenho e escultura na Escola de Belas Artes, com Guignard e Franz Weissmann. Nesse ambiente, descobriu-se escultora e desenvolveu a percepção tátil e o gesto de tocar – das teclas do piano aos diferentes materiais, como a argila e o cimento.
Nos anos 1950, Angel integrou um grupo de artistas e intelectuais que ficou conhecido como Geração Complemento, colaborou para o teatro de vanguarda, experimentou o hata-ioga e, estudando anatomia, levou para a dança o conhecimento científico do corpo. Ainda em Belo Horizonte, participou da criação da Escola Klauss Vianna, em atividade entre 1959 e 1963, e assumiu diversas funções na companhia de balé homônima – deu aulas, dançou, coreografou, executou tarefas administrativas e criou figurinos, destacando-se como solista na obra Neblina de Ouro (1959), do marido coreógrafo. O espetáculo estreou no ano seguinte ao do nascimento de Rainer Vianna (1958-1995), único filho do casal.
Mas as montanhas de Minas Gerais não restringiram a curiosidade de Angel, sempre afeita a novas descobertas. Após participar do I Encontro de Escolas de Dança do Brasil, organizado por Paschoal Carlos Magno em Curitiba, a artista e sua família partiram, em 1963, para uma temporada em Salvador. Lá o casal deu aulas na pioneira Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia (UFBA); e Angel ainda integrou, como bailarina, o Grupo Juventude Dança, dirigido por Rolf Gelewski e ligado à mesma instituição de ensino.
Em 1965, em vez de retornar para Belo Horizonte, Angel se radicou na cidade portuária do Rio de Janeiro – onde vive e trabalha até hoje. Na capital fluminense, esteve à frente de outras iniciativas voltadas para o ensino da dança, formando gerações de artistas, terapeutas e professores. A primeira delas, chamada Centro de Pesquisa Corporal Arte e Educação (1975), oferecia cursos livres e foi o berço da “expressão corporal” nos anos 1970. Em seguida, Angel fundou em um sobrado de 1884 o Centro de Estudos do Movimento e Artes – Espaço Novo (1983). Posteriormente rebatizado de Escola Angel Vianna (1985), formou muitos artistas e terapeutas corporais que afluíram para a cena da dança contemporânea e a área da saúde – nos hospitais da rede Sarah Kubitschek, por exemplo. O passo seguinte foi a criação, em 2001, de uma instituição de ensino superior, a Faculdade Angel Vianna (FAV), com cursos de graduação, extensão e pós-graduação lato sensu em dança e movimento. Desde então, egressos da escola e da faculdade de Angel integram o quadro de professores em escolas e universidades do Brasil e de outros países.
Antecipando o futuro
Paralelamente à sua atuação como educadora, Angel coreografa no teatro carioca desde 1969, quando foi convidada pelo diretor Luiz Carlos Maciel para assinar a coreografia da peça As Relações Naturais_, baseada em texto escrito por Qorpo Santo em 1866. Na década de 1970, ela organizou dois grupos, o Brincadeiras (1975) e o Teatro do Movimento (1976-1978), precursores da dança contemporânea do Rio de Janeiro.
Como bailarina, Angel voltou à cena – após 20 anos de ausência – em Movimento Cinco: Mulher (1987), coreografia de seu filho Rainer Vianna. Seguiram-se a isso outras aparições em obras coreográficas e performáticas, como Divina Comédia (1991), Angel Simplesmente Angel 1(997), Memória em Movimento (1998), Inscrito (1999), Impromptus (2002), A Tempo (2007), Qualquer Coisa a Gente Muda (2010), Encontro de Gerações (2012) e Ferida Sábia (2012). Em 2016, Angel estreou o espetáculo Amanhã É Outro Dia, dirigido por Norberto Presta, cujo título evidencia uma de suas características essenciais: antecipar o futuro.
Acompanhar Angel exige fôlego. Além de administrar sua escola e sua faculdade, ela coordena cursos como Conscientização do Movimento e Jogos Corporais, sobre a sua metodologia, e dirige espetáculos, como O que Eu Mais Gosto É de Gente (2016) e Os Ossos Pensam (2017), nos quais coreografa alunos egressos e dança em apresentações coreografadas por outros artistas. Sua atuação como bailarina ainda pode ser apreciada nos filmes Em Três Atos (2015), Figuras da Dança – Angel Vianna (2010) e Movimentos do Invisível (2018). Angel escreve, elabora projetos, participa de bancas, recebe prêmios e homenagens. No momento em que você lê este texto, ela provavelmente está estreando algum projeto ou arquitetando planos. Enfim, como sempre, movimentando-se, em todos os sentidos.
Joana Ribeiro da Silva Tavares é pesquisadora de dança e movimento e professora da Escola de Teatro e dos programas de pós-graduação em artes cênicas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).