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Autor de teatro

“Eu pertenço a uma geração que levantou a bandeira do teatro popular. Essa geração – da qual fazem parte também Guarnieri, Paulo Pontes, Oduvaldo Vianna Filho – propunha um teatro brasileiro a partir da análise da nossa realidade.”

Dias Gomes [entrevista à TV Cultura, 1978]

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Seção de vídeo

O que há de único no teatro de Dias Gomes

Capaz de dominar a linguagem teatral e dono de um texto com um pulso único – é assim que Dias Gomes é apresentado neste vídeo sobre o que define sua forma de fazer teatro. Em falas do diretor teatral Antonio Mercado, do cenógrafo José Dias, da escritora Nélida Piñon, do cineasta Cacá Diegues e do ator Rui Rezende, a prática de Dias, os seus temas e a sua posição na história da dramaturgia nacional e internacional são destacados.

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Dias Gomes, década de 1950 (Foto: autor desconhecido. Acervo Dias Gomes)

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"De fato, em sã consciência, ninguém poderia apostar no meu futuro. A única coisa que chamava a atenção da família era a minha habilidade em organizar pequenas funções teatrais com meus primos [...]. Foi esse o primeiro sintoma de uma maravilhosa enfermidade que viria a me atacar alguns anos depois – a paixão pelo teatro. Mal crônico, congênito e incurável."

Dias Gomes [trecho da autobiografia "Apenas um subversivo", 1988]

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Primeiras peças

Certa vez, em uma entrevista, Dias Gomes declarou: “[sou] um homem de teatro, nasci homem de teatro e vou morrer homem de teatro”. Mesmo passando por quase todos os meios de seu tempo – fez televisão e rádio, escreveu livros e adaptações para o cinema –, o teatro foi o seu lugar de origem, no qual se comunicava com mais facilidade. O autor pertenceu a uma geração que fez teatro político, questionando e refletindo sobre a realidade sociopolítica e a identidade do brasileiro. Para ele, o teatro espelha o tempo e o homem de uma época.

Escreveu sua primeira peça, A comédia dos moralistas (1937), aos 15 anos e mesmo não tendo sido encenada foi premiada pelo Serviço Nacional do Teatro. Anos depois, seu espetáculo de estreia nos palcos, a comédia Pé-de-cabra (1942), protagonizado por Procópio Ferreira, foi censurado pelo Estado Novo – ao longo de sua carreira, Dias sofreu uma série de repressões de diferentes governos, especialmente no período da ditadura militar, entre 1964 e 1985, sendo o caso de Roque Santeiro o mais famoso deles.

A parceria com o amigo Procópio Ferreira rendeu a Dias um contrato de exclusividade quando criou cinco peças para o ator, entre elas Zeca Diabo (1943), personagem que, posteriormente, faria enorme sucesso na pele de Lima Duarte na telenovela O bem-amado (1973), uma de suas obras de maior alcance.

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“Eu levei todas as minhas preocupações estéticas e sociais para a televisão. Minhas novelas foram algumas adaptações de peças minhas, como O bem-amado e Bandeira 2. E em outras você encontra personagens que surgiram em peças de teatro. E, de modo geral, a temática sempre é a mesma, é o homem brasileiro. A preocupação com o homem brasileiro. E há uma constante preocupação de não separar este homem do povo. Ele é parte integrante do povo, suas aspirações são aspirações do povo.”

Dias Gomes [entrevista à TV Cultura, 1981]

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Dias Gomes e Jorge Amado na estreia da remontagem de O pagador de promessas no Teatro Adolfo Bloch, em 1980 (Foto: autor desconhecido. Acervo Dias Gomes)

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Mestre de muitos gêneros

A segunda fase do autor no teatro – considerada mais madura pelos críticos – se inicia com O pagador de promessas (1959). Sucesso de público e de críticas, a peça é responsável por tornar Dias um dos mais importantes dramaturgos de sua geração. Nesse período fértil, entre 1959 e 1969, ele cria algumas de suas grandes obras teatrais, que demonstram a capacidade de colocar sua visão de mundo e suas ideologias, bem como de explorar diferentes temas e gêneros teatrais.

Abaixo, listamos as principais obras deste período:

– A invasão (1960) estreou em 25 de outubro de 1962, no Teatro do Rio, com direção de Ivan de Albuquerque. A peça foi censurada em 1969, proibição que durou até 1978. Baseada em um fato real, apresenta um grupo formado por pessoas que perderam suas casas em uma enchente e, sem ter para onde ir, decidem ocupar uma construção abandonada;

– A revolução dos beatos (1961) foi encenada pela primeira vez em 17 de novembro de 1963, no Teatro Brasileiro de Comédia (São Paulo), com direção de Flávio Rangel. O espetáculo foi censurado em diversas ocasiões nos anos de 1964 e 1965. A peça, com trama em Juazeiro (CE), em 1920, aborda a influência religiosa para fins políticos;

– Odorico, o bem-amado (1962) estreou em 4 de maio de 1968, no Teatro Santa Isabel (Recife), com produção do Teatro de Amadores de Pernambuco e direção de Alfredo de Oliveira. Uma nova montagem aconteceu em 1970, no Teatro Gláucio Gill (Rio de Janeiro), sob direção de Gianni Ratto e com Procópio Ferreira no papel de Odorico Paraguaçu. A história apresenta o prefeito de Sucupira, Odorico Paraguaçu, um político demagogo e corrupto que, com seus discursos inflamados e verborrágicos, ilude o povo da cidade fictícia. A peça foi levada para as telinhas com o título O bem-amado;

– O berço do herói (1963) – peça que serviu como base para a adaptação da telenovela Roque Santeiro – critica a construção de falsos heróis e a exploração de suas imagens. O enredo, situado em 1960, conta a história do cabo Roque, que desertou a Força Expedicionária Brasileira, mas, ao ser considerado morto, foi transformado em herói de guerra. Sua imagem é explorada por aproveitadores em sua cidade natal, Asa Branca, até que o mesmo aparece vivo. Dirigida por Antonio Abujamra, a primeira montagem foi proibida de subir ao palco do Teatro Princesa Isabel (Rio de Janeiro), já com o público na plateia, na noite de sua estreia em 22 de junho de 1965;

– O santo inquérito (1964) discute o direito de punir, perseguir e torturar exercido por qualquer pessoa ou sistema. Branca Dias, personagem central da trama, é acusada injustamente pela Inquisição e luta pela própria liberdade. A estreia do espetáculo ocorreu em 23 de setembro de 1966, no Teatro Jovem (Rio de Janeiro), com direção de Ziembinski e Eva Wilma no papel principal. Ganhou nova montagem em 1976 com direção de Flávio Rangel e as atrizes Isabel Ribeiro e Dina Sfat como Branca Dias. No ano seguinte, 1977, estreia em São Paulo com Regina Duarte no papel principal.

Sobre o desenvolvimento de Branca Dias, Dias Gomes comentou:

“Esta versão na qual eu me baseei, que é uma versão histórico-lendária de que ela teria existido na Paraíba, seria uma camponesa paraibana de origem judaica, cristã-nova, que teria sido perseguida pela Inquisição, presa, julgada e condenada à fogueira. Essa é a versão endossada pela peça, que é contestada por alguns historiadores. Mas essa é uma briga entre historiadores e folcloristas, eu sou um dramaturgo. A mim o que interessa não é a verdade histórica, é verdade humana”.

– Dr. Getúlio, sua vida e sua glória (1968), espetáculo musical em parceria com Ferreira Gullar e musicado por Edu Lobo e Chico Buarque, foi produzido pelo Grupo Opinião e dirigido por José Renato em 10 de agosto do mesmo ano, no Teatro Leopoldina (Porto Alegre). A obra foi adaptada e encenada com o título de Vargas (1983), dessa vez com direção de Flávio Rangel e Paulo Gracindo, Isabel Ribeiro, Grande Otelo e Milton Gonçalves no elenco. Na peça, os autores usam a metáfora para abordar a luta de Getúlio Vargas no poder. O fato histórico é contado por meio do samba-enredo de uma escola de samba que, paralelamente, desenvolve a sua própria trama com a tentativa de golpe sofrida pelo presidente da agremiação.

Mestre de muitos gêneros, Dias escreveu 35 peças: tragédias, comédias, dramas, farsas e teatro musical. Depois de um período escrevendo para a televisão, retornou ao teatro com As primícias (1977). Entre suas últimas obras, Campeões do mundo (1979) acompanha um grupo de guerrilheiros que sequestram um embaixador americano durante a ditadura militar às vésperas da Copa do Mundo. A estreia ocorreu em 4 de novembro de 1988, com direção de Antonio Mercado e atuação de Leonardo Vilar. Sua última peça escrita foi Meu reino por um cavalo (1988).

Seus textos atingiram também repercussão internacional e foram traduzidos para vários idiomas, entre eles, inglês, espanhol, francês, alemão e italiano.

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Temáticas e críticas sociais

Dias Gomes apresentava em suas obras um questionamento da realidade brasileira, tanto que algumas de suas peças e telenovelas foram proibidas pela ditadura por ser consideradas subversivas. O autor abordou questões sociais e políticas, e mostrou as mazelas do povo, os costumes e as crenças populares por meio de personagens icônicos, que ficaram marcados na memória dos brasileiros.

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“[...] Com o AI-5, o tipo de teatro que eu fazia – eu e vários autores – foi praticamente proibido de subir a cena. Um teatro de questionamento da realidade brasileira, de levantamento dos nossos problemas, de tipificação do nosso homem, do comportamento do homem brasileiro, enfim. Esse teatro onde a realidade brasileira era, vamos dizer assim, a prima-dona, foi considerado subversivo. A própria realidade brasileira foi considerada subversiva em si mesma. Não precisava questioná-la, bastava mostrá-la para ser considerado um ato de subversão.”

Dias Gomes [entrevista à TV Cultura, 1980]

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Regina Duarte como Branca Dias em montagem da peça O santo inquérito no Teatro Anchieta, em São Paulo, em 1977 (Foto: Ruth Amorim Toledo)

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“A diferença é que, no teatro, esse ato político é praticado diante do público. Essa a característica essencial da função dramática: ela acontece. É presente, não passado. Ao contrário da pintura, da escultura, da literatura, ou mesmo do cinema, que já aconteceram quando são oferecidos ao público, o teatro possibilita a este testemunhar não a obra realizada, mas em realização.”

Dias Gomes [trecho da autobiografia "Apenas um subversivo", 1988]

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Diálogos

O pagador de promessas

"O pagador de promessas", escrita em 1959, foi apresentada pela primeira vez em 29 de julho de 1960, no Teatro Brasileiro de Comédia, em São Paulo, com direção de Flávio Rangel e Leonardo Vilar (Zé do Burro) e Natália Timberg (Rosa) no elenco. A trama se passa na época em que foi escrita, em Salvador. Num terreiro de Iansã, Zé do Burro, um homem do campo, faz uma promessa à Santa Bárbara para curar seu burro Nicolau. Com a graça recebida, ele deve cumprir a promessa, levando uma pesada cruz de madeira até as portas da Igreja. No teatro, ganhou diversos reconhecimentos, entre eles o Prêmio Nacional de Teatro, do Instituto Nacional do Livro, e o Prêmio Melhor Autor Brasileiro, da Associação Brasileira de Críticos Teatrais. Trecho de "O pagador de promessas", publicado na Coleção Dias Gomes, vol. 1, p. 142/143.

A invasão

"A invasão", espetáculo escrito por Dias Gomes no começo dos anos 1960, foi encenado pela primeira vez em 25 de outubro de 1962, no Teatro do Rio, com direção de Ivan de Albuquerque. Baseada em um fato real, a peça apresenta a história de um grupo formado por pessoas que perderam suas casas em uma enchente e, sem ter para onde ir, decidem ocupar uma construção abandonada. A peça foi censurada em 1969, proibição que durou até 1978. Ganhou dois reconhecimentos: o Prêmio Padre Ventura, em 1962 (CICT), e o Prêmio Cláudio de Souza, em 1961 (ABL). Teve montagem recente, em 2011, com direção de Antonio Netto, no Teatro Commune, em São Paulo. Trecho de "A invasão", publicado na Coleção Dias Gomes, vol. 3, p. 70.

O santo inquérito

"O santo inquérito", escrita em 1964, foi apresentado pela primeira vez no dia 23 de setembro de 1966, no Teatro jovem, no Rio de Janeiro, com direção de Ziembinski e Eva Wilma (Branca Dias) no papel principal. A trama da peça se passa na época de 1750 no estado da Paraíba e conta a história de Branca Dias, mulher cristã nova e ingênua, vítima de perseguição após cometer um ato que, aos seus olhos, julgava ser de extrema bondade: salvar de um afogamento o padre da cidade. Ganhou nova montagem em 1976 com direção de Flávio Rangel e as atrizes Isabel Ribeiro e Dina Sfat como Branca Dias. No ano seguinte, 1977, estreia em São Paulo com Regina Duarte no papel principal. Trecho de "O santo inquérito", publicado na Coleção Dias Gomes, vol. 1, p. 347/348.

Vargas

"Dr. Getúlio, sua vida e sua glória" (1968), espetáculo musical em parceria com Ferreira Gullar e musicado por Edu Lobo e Chico Buarque, foi produzido pelo Grupo Opinião e dirigido por José Renato em 10 de agosto do mesmo ano, no Teatro Leopoldina (Porto Alegre). A obra foi adaptada e encenada com o título de "Vargas" (1983), dessa vez com direção de Flávio Rangel e Paulo Gracindo, Isabel Ribeiro, Grande Otelo e Milton Gonçalves no elenco. Na peça, os autores usam a metáfora para abordar a luta de Getúlio Vargas no poder. O fato histórico é contado por meio do samba-enredo de uma escola de samba que, paralelamente, desenvolve a sua própria trama com a tentativa de golpe sofrida pelo presidente da agremiação. Trecho de "Vargas", publicado na Coleção Dias Gomes, vol. 4, p. 130.

As primícias

"As primícias", escrita por Dias Gomes em 1977, se passa em uma aldeia da Europa ou da América Latina, entre os séculos VI e XX. O Direito das Primícias, ou Direito de Pernada e Direito da Primeira Noite, que vigorou na Idade Média, era o direito do senhor feudal de desvirginar as noivas na noite de sua boda. No Brasil colonial, como lei não escrita, semelhante direito foi largamente usado pelos senhores de engenho e pelos grandes senhores de terra de um modo geral. A peça é uma metáfora das relações de poder, ou como o próprio autor classificou, uma alegoria político-sexual em 7 quadros. A narrativa traz a revolta de um jovem casal em busca de sua liberdade e contra o privilégio sexual do proprietário de terras. Trecho de "As primícias", publicado na Coleção Dias Gomes, vol. 4, p. 197/198.

Campeões do mundo

O espetáculo "Campeões do mundo", escrito em 1979, foi encenado pela primeira vez em 4 de novembro de 1980, no Teatro Villa-Lobos, no Rio de Janeiro, com direção de Antonio Mercado. Ambientada no período da ditadura militar (1964-1985), durante a Copa do Mundo de 1970, conta a história de um grupo de revolucionários que sequestram o embaixador americano para reivindicar aos militares a publicação de um manifesto e a soltura de presos políticos. A ação inicia um tenso processo de negociação com o governo. Com esta peça, Dias Gomes evidencia as contradições das personagens e situações, promovendo o debate, questionando verdades cristalizadas e instigando a uma mais ampla compreensão da realidade nacional. Trecho de "Campeões do mundo", publicado na Coleção Dias Gomes, vol. 3, p. 498.

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Dias Gomes e Ferreira Gullar, amigos e parceiros de criação, s.d. Escreveram a peça Dr. Getúlio, sua vida e sua glória (1968) e também a segunda versão, Vargas (1983), além de algumas minisséries para televisão e a novela Araponga, em 1990 (Foto: autor desconhecido. Acervo Dias Gomes)

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“Eu nunca fui de participar de grupos. [...] Quantos grupos teatrais que influíram decisivamente o teatro brasileiro eu vi se formar ao meu lado e nunca participei de nenhum. [...] Nos anos 1960, o Teatro de Arena, o Oficina, depois o Grupo Opinião, todos eles eram formados por amigos meus e pessoas que pensavam parecido comigo – havia até uma influência esquerdista em todos eles. E eu nunca participei de nenhum, sempre tive um caminho meio solitário. [...] Eu sou um socialista insociável.”

Dias Gomes [entrevista à TV Cultura, 1995]

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