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O pagador de promessas

“'O pagador de promessas' é a estória de um homem que não quis conceder – e foi destruído. Seu tema central é, assim, o mito da liberdade capitalista. Baseada no princípio da liberdade de escolha, a sociedade burguesa não fornece ao indivíduo os meios necessários ao exercício dessa liberdade, tornando-a, portanto, ilusória.”

Dias Gomes [Coleção Dias Gomes – os heróis vencidos (1989)]

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No teatro

Encenada no teatro e adaptada para o cinema e a televisão, O pagador de promessas é um marco na carreira de Dias Gomes. Escrita em 1959, a obra inicia a segunda fase do autor no teatro, consagrando-o como um dos grandes entre seus contemporâneos.

Considerada uma tragédia clássica, a história acompanha a saga de Zé do Burro para pagar uma promessa feita a Iansã/Santa Bárbara, que salvou seu burro Nicolau. Ele carrega características que nos acostumamos a ver nas obras de Dias Gomes: personagens populares com traços regionais – por vezes, exagerados – e rodeados de questionamentos e embates com a sociedade.

O conflito entre o herói trágico e o fundamentalismo da Igreja, representado pelo personagem Padre Olavo, é o disparador para expor as principais críticas do autor: o mito da liberdade em um sistema capitalista, a religiosidade arcaica, o sincretismo religioso, as injustiças sociais, a reforma agrária, a manipulação e o sensacionalismo da mídia.

A peça foi apresentada pela primeira vez em 29 de julho de 1960, no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), em São Paulo, sob a direção de Flávio Rangel e com Leonardo Villar no papel de Zé do Burro – imortalizado, posteriormente, na versão cinematográfica – e Nathália Timberg como Rosa.

Foi só na terceira versão, segundo Dias, que a questão do sincretismo religioso foi inserida na trama.

“O sincretismo religioso que dá motivo ao drama é fato comum nas regiões brasileiras que, ao tempo da escravidão, receberam influências de cultos africanos. Não podendo praticar livremente esses cultos, procuravam os escravos burlar a vigilância dos senhores brancos, fingindo cultuar santos católicos, quando, na verdade, adoravam deuses nagôs. Assim, buscavam uma correspondência entre estes e aqueles – a Oxalá (o maior dos orixás) identificou-se com Nosso Senhor do Bonfim, o santo de maior devoção da Bahia; Oxossi, deus da caça, achou o seu símile em São Jorge; Exu, orixá malfazejo, foi equiparado ao diabo cristão. E assim por diante. Por isso, várias festas católicas, na Bahia (como em vários Estados do Brasil), estão impregnadas de fetichismo, com danças, jogos e cantos de origem africana. Entre elas a de Santa Bárbara (Iansan na mitologia negra), que serve de cenário ao drama”, escreveu para o livro Coleção Dias Gomes – os heróis vencidos (1989).

No teatro, ganhou diversos reconhecimentos, entre eles o Prêmio Nacional de Teatro, do Instituto Nacional do Livro, e o Prêmio Melhor Autor Brasileiro, da Associação Brasileira de Críticos Teatrais. Entre os idiomas para os quais a obra foi adaptada estão inglês, espanhol, francês, alemão e italiano.

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“Como Zé do Burro, cada um de nós tem suas promessas a pagar. A Deus ou ao Demônio, a uma Ideia. Em uma palavra, a nossa própria necessidade de entrega, de afirmação. E cada um de nós tem pela frente o seu ‘Padro Olavo’. Ele não é um símbolo de intolerância religiosa, mas de intolerância universal. Veste batina, podia vestir farda ou toga. É padre, podia ser dono de um truste.”

Dias Gomes [Coleção Dias Gomes – os heróis vencidos (1989)]

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Seção de vídeo

Zé do Burro e Branca Dias

O pagador de promessas e O santo inquérito são duas das mais importantes obras de Dias Gomes. Ambas são construídas a partir de personagens grandiosos da dramaturgia brasileira: Zé do Burro e Branca Dias. Neste vídeo, o diretor teatral Antonio Mercado, a escritora Nélida Piñon e o cineasta Cacá Diegues abordam o tema da religião, presente nas obras, e a trajetória de seus personagens.

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No cinema

Sucesso no teatro, a adaptação de O pagador de promessas ganhou o mundo com o filme dirigido por Anselmo Duarte em 1962. Até hoje, é o único filme brasileiro a conquistar a Palma de Ouro, o maior reconhecimento do Festival de Cannes. Também foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro naquele ano, além de ter conquistado diversos outros prêmios nacionais e internacionais.

Dias Gomes acompanhou de perto a adaptação para garantir a fidelidade ao seu texto original. À TV Cultura ele comentou:

“Precisa entender que estávamos ainda em 1960/1961 e o cinema brasileiro só tinha uma tradição, que era a chanchada. O Anselmo Duarte vinha das chanchadas. Então, para me garantir, eu queria mostrar a minha peça. Era uma prova da minha insegurança com o cinema. Tenho até que louvar essa fidelidade dele [Anselmo] com meu texto, foi a única vez que tive um texto no cinema com absoluta fidelidade”.

Além de Villar, estavam no elenco Glória Menezes (Rosa), Dionísio Azevedo (Padre Olavo), Geraldo Del Rey (Bonitão), Norma Benguell (Marly), Othon Bastos (repórter) e Antonio Pitanga (Coca). A obra foi filmada na Igreja do Santíssimo Sacramento, no Pelourinho, em Salvador.

Veja o filme gratuitamente na Itaú Cultural Play, plataforma de streaming focada no cinema e no audiovisual brasileiro.

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“'O pagador de promessas' nasceu, principalmente, dessa consciência que tenho de ser explorado e impotente para fazer uso da liberdade que, em princípio, me é concedida. Da luta que travo com a sociedade, quando desejo fazer valer o meu direito de escolha, para seguir o meu próprio caminho e não aquele que ela me impõe. Do conflito interior em que me debato permanentemente, sabendo que o preço da minha sobrevivência é a prostituição total ou parcial. Zé do Burro faz aquilo que eu desejaria fazer – morre para não conceder. Não se prostitui. E sua morte não é inútil, não é um gesto de afirmação individualista, porque dá consciência ao povo, que carrega o seu cadáver como bandeira.”

Dias Gomes [Coleção Dias Gomes – os heróis vencidos (1989)]

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Adaptação para a televisão

Cena da minissérie O pagador de promessas, realizada em 1988 pela Rede Globo, com José Mayer no papel de Zé do Burro e Denise Milfont como Rosa. O tema da luta pela terra foi aprofundado na adaptação para a TV. Foto: TV Globo/Acervo

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