De: Até: Em:

A guardadora da memória

Na última seção deste site, a filósofa Djamila Ribeiro retoma algumas de suas lembranças com Sueli Carneiro, enquanto as poetas Elizandra Souza, Luz Ribeiro, Mel Duarte e Marcela Bonfim fazem de sua admiração pela homenageada matéria de versos – escritos e, no caso de Marcela, também musicados. Uma matéria sobre a Caminhada Negra salienta como esse projeto tem inspiração no itinerário da pensadora. E, em vídeo, a jornalista Bianca Santana fala sobre a criação da Casa Sueli Carneiro. Em resumo, jeitos diversos de manter vivo, cada vez mais vivo, o legado de Sueli e a ela dizer: obrigada. Muito obrigada.

Seção de vídeo

A sabedoria da mais velha – Ocupação Sueli Carneiro (2021)

A jornalista Bianca Santana pontua que Sueli Carneiro “não entrega palavra ao vento”. Liderança e referência sábia, respeitosa, sem a qual, frisa o professor Douglas Belchior, não é possível falar de Brasil hoje. A escritora Cidinha da Silva relembra ainda do fato de Sueli andar ombro a ombro com os seus, levando-os por caminhos que ela mesma construiu.

Compartilhe

Sueli Carneiro entre 26 e 27 anos aproximadamente

Sueli Carneiro entre 26 e 27 anos aproximadamente. Autoria desconhecida | acervo pessoal Sueli Carneiro

Compartilhe

Viva a Ocupação Sueli Carneiro!

por Djamila Ribeiro

Era março de 2018 quando entrei em um táxi rumo à Zona Sul de São Paulo para uma tarde de consequências intensas para todas as pessoas envolvidas. Tinha uma ideia na cabeça e nada nem ninguém abalaria minha determinação. Era como se eu soubesse, dentro de mim, que seria uma ideia de imensa potência, uma potência que emerge do reconhecimento em vida de nossas mais velhas, que desbravaram caminhos por onde minha geração passou e que são o motivo de termos partido de um outro lugar na sociedade. O resultado dessa tarde conto mais à frente. Antes, permitam-me uma digressão. 

Essa ideia começou em uma mesa festiva na Lapa, no centro do Rio de Janeiro, após o lançamento do livro Lugar de fala (2017), o primeiro da Coleção feminismos plurais. Naquela noite mágica, com a presença de Conceição Evaristo, Flávia Oliveira e tantas outras irmãs, milhares de pessoas fecharam a Rua Morais e Vale em favor da arrecadação de centenas de quilos de alimentos para a população trans e travesti, do sorteio de brindes, de blocos de maracatu, de fogos de artifício e da venda de uma obra escrita por uma mulher preta e publicada de forma independente. Uma semana antes, no lançamento do livro em São Paulo, na Casa do Baixo Augusta, a distribuição de 200 exemplares para as primeiras pessoas que chegaram, além de comida farta, já anunciava a novidade que revolucionou o mercado editorial. Naquela noite, a primeira noite de todas, quem foi a primeira pessoa na fila de autógrafos? Ela, a que nasceu para ser a primeira: Sueli Carneiro. 

É difícil descrever o sentimento misto de admiração, emoção e respeito que me guiaram sempre que meu caminho cruzou com o de Sueli. Entre 1999 e 2004, fiz parte da Casa de Cultura da Mulher Negra de Santos, organização comandada por Dona Alzira Rufino, onde tive o primeiro contato com o movimento organizado de mulheres negras brasileiras. Eram anos de profunda movimentação, já que as cotas raciais, então apenas um sonho, eram atacadas todos os dias na mídia hegemônica, não havendo redes sociais para estabelecer uma contranarrativa. Foi preciso muita estratégia daquelas mulheres, que se sentavam à mesa principal discutindo os rumos do ativismo feminista negro daqueles tempos. Em vários desses encontros, Sueli Carneiro chegava e eu e minhas colegas de organização ficávamos no canto apenas admirando – e torcendo para não sermos notadas, tamanha a reverência que havia naquele ambiente. São coisas que a geração mais nova vai algum dia entender? Fico me perguntando…

Naqueles tempos, Sueli já havia cravado seu nome na história do país. Especificamente naquela época, lembro-me bem de que ela estava produzindo em ritmo “ogunhístico” sobre o tema da diversidade racial no mercado de trabalho. Hoje em dia, quando pesquiso o tema para palestras em empresas, deparo-me com os textos dela, que já escreveu tudo o que precisava ser escrito sobre o assunto. Basta ler, está lá. Seu empenho em prol da diversidade no mercado de trabalho oportunizou que pessoas negras acessassem e acessem postos com remuneração digna. Isso beneficia tanto a pessoa, evidentemente, quanto seu entorno, sobretudo se for uma mulher negra. A luta pela empregabilidade de pessoas negras, historicamente confinadas à faxina e à segurança, é uma luta que, como consequência, possibilita uma experiência de negritude diferenciada, com recursos materiais, algo que nos foi negado. No Brasil, as pessoas negras são pobres porque são negras. Visionária, Sueli foi uma de nossas griôs, como Cida Bento e Thereza Santos, entre tantas outras que lançaram as bases para um debate fundamental e contemporâneo no país.

Tenho certeza de que, nesta justa homenagem feita pelo Itaú Cultural (IC), contribuições de Sueli Carneiro para o país são exaltadas e, ainda assim, falta espaço para tudo o que ela conquistou. A guerra, nos anos 1980, no Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo merece alguns capítulos à parte. Quem sabe um filme? Volto àqueles tempos em que era apenas uma jovem de 20 anos e via Sueli de longe. Assistia aos seminários anteriores e posteriores à Conferência de Durban, na qual o movimento de mulheres negras brasileiras deu um show, movendo as bases do debate racial numa perspectiva global. Na tradição de Lélia Gonzalez, feministas negras brasileiras já mostraram estar alguns passos à frente no debate, posto que é preciso muita sofisticação para erguer a espada em um país que nega o racismo, sob o mito da democracia racial, e tranca oportunidades para mais da metade da população. Minha geração, que bebeu dessa fonte pioneira, teve todas as condições de entrar com tudo na guerra narrativa, de compartilhar a rota desbravada e seguir adiante.

No meu caso, seguir a rota não teria sido possível sem Sueli Carneiro. Em 2001, em meio a minha admiração a distância, fiz parte de um treinamento de mídia para ONGs, em São Paulo, realizado pelo Geledés – Instituto da Mulher Negra, baobá do movimento negro brasileiro plantado na década de 1980 por Sueli e por suas companheiras de estrada, e cujos galhos, tronco e frutos nos protegem e nos alimentam. Tempos depois, vim a ser mãe e acabei sendo tomada pelas demandas da vida, até ingressar, aos 27 anos, no curso de filosofia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Graças à convivência e à leitura de mulheres como Sueli – nesse momento, referência que também se estendia à pesquisadora e doutora em educação pela Universidade de São Paulo (USP) –, trilhei meu caminho com andar altivo. Vieram as redes sociais e, já no mestrado, fiz uma conta no Facebook, onde passei a escrever textos que foram amplificados. Não fosse Sueli, na época uma mãe brava, tal qual a minha, Erani Ribeiro dos Santos, também uma mulher de Ogum, provavelmente teria me deslumbrado, sido uma boba e feito nada com aquilo.

Foram momentos decisivos os de Sueli Carneiro na minha vida, a maior parte deles com duras recebidas em salas fechadas, almoços reservados e visitas especiais para me apoiar no gabinete da Secretaria de Direitos Humanos em São Paulo. Mas foi um período também de muita festa, como na Ocupação Abdias Nascimento, no IC, quando fazia uma roda de conversa e levei um susto ao vê-la na plateia ao lado de Conceição Evaristo. 

Na sabedoria ancestral, Ogum é o irmão mais velho de Oxóssi e líder da comunidade, aquele que sai para travar (e sempre vencer) batalhas pelo seu povo. Uma vez, a comunidade foi invadida por povos estrangeiros e Ogum teve que voltar às pressas para lutar e expulsá-los. Depois que a ameaça foi contida, ensinou Oxóssi a caçar e a guerrear para que sempre soubesse proteger seu povo enquanto ele estivesse fora. Assim Sueli fez comigo. Foi em sua mão que segurei com fé quando não tinha a menor ideia de qual caminho seguir para enfrentar as batalhas que precisava lutar.

Uma delas foi a da democratização do acesso à leitura de produções escritas por pessoas negras. Cresci reverenciando iniciativas dessa natureza, como os Cadernos negros, de Esmeralda Ribeiro, e tantas outras. Sentia que era o momento de percorrer o caminho trilhado e dar um passo rumo à distribuição nacional de livros de temáticas raciais críticas a preço acessível e linguagem didática, com direito a lançamentos com grandes celebrações da nossa incrível potência. Assim se deu a criação da Coleção feminismos plurais, que nasceu já precisando de uma expansão para obras completas brasileiras, latino-americanas e caribenhas. 

Volto ao começo do texto. A ideia de posicionar a coleção embaixo de um guarda-chuva que permitisse a expansão para outras iniciativas só poderia ser batizada em homenagem a uma mulher de Ogum. Entrei no táxi na cara e na coragem, na ousadia que Oxóssi sabe ter, e fui à Zona Sul de São Paulo pedir a benção da minha mais velha. Cheguei e a encontrei com sua amada filha, Luanda Carneiro Jacoel, com quem já havia caminhado em outras aventuras. Sentei-me e expliquei o que pretendia, disse que seria uma honra enorme que esse selo editorial se chamasse Selo Sueli Carneiro. Segurando as mãos de minha referência, recebi a benção e a missão de estrear o selo com um livro que ela há muito gostaria de publicar, um livro que reuniria textos fundamentais de toda a sua trajetória de imensa contribuição para a sociedade. Espontânea, como se não fosse eu a pronunciar aquelas palavras, imediatamente disse: “Escritos de uma vida”. E, desse modo, estava alafiado.

Quatro meses depois, em julho, numa linda noite com o cheiro do temporal que havia lavado a tarde paulistana, a choperia do Sesc Pompéia começou a encher. E encheu até lotar. Familiares, irmãs e irmãos de militância, amigos, amigas, admiradores de todas as partes encontraram suas cadeiras para assistir ao lançamento do livro Sueli Carneiro: escritos de uma vida (2018), com prefácio de Conceição Evaristo, inaugurando o Selo Sueli Carneiro. No palco, ela recebeu pessoas queridas: sua companheira de Geledés Nilza Iraci, seu amigo de luta Átila Roque e sua querida biógrafa Bianca Santana. Histórias foram contadas, homenagens foram feitas e champanhes foram brindados. Exu, Ogum e Oxóssi, os três irmãos, estavam em festa! 

Desde então, além dos dez títulos da Coleção feminismos plurais, o Selo Sueli Carneiro já publicou Ó pa í, prezada! (2019), dissertação de mestrado de Carla Akotirene sobre racismo e sexismo no presídio de Salvador, e Mulheres quilombolas: territórios de existências negras femininas (2020), organizado por Selma Dealdina, que reuniu 18 mulheres de quilombos de todas as regiões brasileiras para compartilhar seus saberes, uma obra inédita na história do país. Como se vê, se há um orixá com vocação para o ineditismo, é o que coroa Sueli Carneiro, sua querida filha.

Se naquele dia foi uma festa enorme, o relançamento do Selo Sueli Carneiro em parceria com a Editora Jandaíra, no Centro Cultural São Paulo, foi apoteótico. As 3 mil pessoas que conseguiram entrar no meio dos milhares que festejaram do lado de fora cantaram e dançaram com a banda As Baías e cantora Paula Lima puxando “Olhos coloridos”, junto de uma saraivada de aplausos para Sueli. Um dia marcante na história da cidade, data em que uma produção independente negra parou o trânsito local para cantar seu orgulho e sua admiração pela intelectualidade que abriu tantos caminhos. Voltaríamos lá meses depois para o evento do livro em um auditório lotado, mesmo com uma chuva torrencial na capital paulistana. Foi a última vez que vi pessoalmente minha amada referência e sábia conselheira antes da pandemia.

Conto os dias para, quando a pandemia passar – e vai passar –, nós nos vermos novamente. Faremos uma festa daquelas que Ogum merece. Uma festa como a que fizemos no auditório principal da Universidade Federal do Rio Grande Sul (UFRGS), que veio abaixo com milhares de pessoas ovacionando Sueli Carneiro. Era o Festival literário de Porto Alegre, que a levou como homenageada por conta do lançamento do livro. Fizemos uma mesa com mediação de Fernanda Bastos e a energia que contagiava o lugar foi eternizada por Josemar Afrovulto, cuja foto tem circulado internacionalmente. Nela, eu seguro a mão de minha mais velha e estamos sorrindo uma para a outra, em frente a uma multidão que reconhece em vida o trabalho de uma líder guerreira que trouxe à comunidade negra global e, em especial, à comunidade negra brasileira aquilo que Ogum traz: o progresso.

Viva a Ocupação Sueli Carneiro!

Compartilhe

Sueli Carneiro em 2017

Sueli Carneiro em 2017 | foto André Seiti / acervo Itaú Cultural

Compartilhe

“A valorização da diferença torna-se então um pré-requisito para a reconciliação de todos os seres humanos. O princípio capaz de fazer com que cada um de nós com a sua diferença possa se sentir confortável e ´em casa neste mundo´, pertencentes que somos todos à mesma espécie humana. Essa missão civilizatória é talvez o ponto mais importante da agenda das próximas gerações.

Então, meninas, aceitem esse bastão porque ele lhes oferece a oportunidade de, como guerreiras da luz, travarem o bom combate. Pelas causas mais justas da humanidade!”

Trecho de “Por um tempo mais feminino”, texto publicado em 14 de setembro de 2000 no Portal Geledés

Compartilhe

"Saudação ao ventre de Eva"

por Elizandra Souza

Poema dedicado a Sueli Carneiro

Convoco os espíritos de todas as mulheres
Mães-velhas ancestrais e poderosas
Que dos ventres de Anas, Marias, Teresas, Justina,
Luiza, Olympia, Eva nascia Sueli 

São Paulo, aquilombamento dessa narrativa
Entre a costura de sua mãe e os trilhos do seu pai
Ela que estreou o útero e inaugurou a linhagem dos sete
promessa cumprida à Santa, todas nasciam Aparecidas

A fotografia do céu a trouxe nessa encarnação
como canceriana ascendente em gêmeos,
Libra na lua, em marte e netuno
Ela equilibra objetividade e sensibilidade na mesma proporção

No candomblé encontrou aconchego para suas inquietações
Dos búzios aos ebós, filha de Ogum, ekedi de Iansã
Como seu pai é aquela que traz ferramentas
E só entra para vencer em uma guerra

Sueli forjou a intelectualidade como arma e escudo
Dona de si desde pequenininha
Aprendeu a ler em casa com sua mãe
E os livros suas melhores companhias

Plantou jequitibá, mas tem saudades da casa de Maricota,
de sambar, comer e beber
A cidade sua grande mata, cursou filosofia,
no tempo que os pretos da USP cabiam numa kombi 

De auxiliar de escritório à presidente
Geledés sua sociedade secreta e coletiva
Mulheres negras em movimento,
por um Brasil que a democracia racial não seja um mito

Eis quatro décadas de militância, maternância e sabedoria
Seus sonhos de emancipação
Inspiração em quem veio antes: Abdias, Lélia e Mandela
Entre direita e esquerda ela continua preta

Compartilhe

"senhora encruzilhada"

por Luz Ribeiro

como empilhar a história
sem perder a poética?
como narrar os dias
e manter a estética? 

não descobri
e na ausência de saber
deveria escrever um poema
sobre você
e acabo por fazer
um poema sobre mim e sueli 

queria te dizer
que antes de te ver
eu li notas suas
mencionando um bastão
sendo passado
uma lista, não um amontoado
de nomes 

identifiquei
meu nome e sobrenome
em uma revista
uma garantia
meu nome e o seu bastão
um registro e uma missão

eu que sonho demais
observei tudo bem acordada

queria te dizer
que quando te vi
pelo andar reconheci
“nossos passos vêm de longe”
acolhi o brilho dos seus olhos
ele me sorriu
e eu sorri de volta

nos encontramos em festa
pessoas pretas reivindicando
alternância de poder
pra senhora vê
te entreguei meu livro
como anúncio
que meu caminho
já guardava versos pra você

queria te dizer
que quando ouvi
“sueli carneiro” pela primeira vez
abracei o chamado
para seguir adiante
ousar ser possível

contemplo sua trajetória
como quem decodifica
manuais de sobrevivência
para os meus pés
e para todos os pés escurecidos
que depois dos meus virão 

suas palavras
são sussurros de continuidade
ouço você
identifico outras vozes
que aqui não estão
ouço você
e me reconheço

você é:
ponte do que foi
com o agora
ponto de encontro
com o futuro ancestral vivo

seu  nome é encruzilhar

o  encontrar na luta
de mãos dadas
ou punhos erguidos
mas sempre de mãos dadas
– entrelaçadas –

queria te dizer:
esse poema é sobre você
e por ser seu
é de todas nós
nascidas sob o teto cinza
onde o tempo não para
continuamos pretas
e não paramos
permanecemos escrevendo
ensaios sobre a ausência
e não paramos
herdamos a cor do preconceito
e não paramos 

ainda que interrompidas
não paramos 

enfim
queria te dizer
coisas que só cabem em um poema
todas essas coisas
que não couberam
aqui 

*

“nossos passos vêm de longe” –  frase de jurema werneck

Compartilhe

"Reparação é ser reconhecida e exaltada em vida!"

por Mel Duarte

Recebo com o peito em festa esse convite, para através de minhas palavras, saudar Sueli Carneiro!

Minha condição poeta (ainda que das miúdas) me permite olhar para sua existência com olhos de quem sempre aprende grande, como diria Manoel de Barros.

Estrategista de possibilidades, Sueli abriu caminhos
e cultivou a terra antes da nossa chegada.
Antevendo processos, enegrecendo o feminismo,
reivindicando a narrativa e liderando movimentos,
cativa quem repousa os olhos em sua trajetória.

Sua vasta contribuição há de reverberar infinita
por gerações de mulheres negras, que assim como eu,
pedem licença para acompanhar seus passos e adentrar o seu terreno. 

Num país onde a nossa luta é minimizada,
onde a memória do povo preto não é preservada,
celebrar a obra e a vida de Sueli Carneiro é
honrar um compromisso ancestral. 

Que nossas intelectuais sejam fonte de estudo,
Que nossas escritoras sejam lidas,
Que a nossa luta seja respeitada
Que a nossa voz seja ouvida!

Mulheres negras reescrevem a história,
afrontando a insuficiência dessa sociedade hegemônica e racista.
Articulando o pensamento pelo benefício coletivo,
reparação é ser reconhecida e exaltada em vida!

Eu encontro força nas palavras de Sueli que são ferramentas eficazes
para a construção de novos futuros.

Eu reverencio sua potência e a ancestralidade que a acompanha,
não é sempre que encaramos toda a força da natureza em um só corpo. 

Eu admiro sua história, sua persistência e a destreza que possui para mobilizar tantas frentes e ainda assim, permanecer generosa.

Eu celebro sua existência e vibro por sua longevidade!

Obrigada por não silenciar e por construir para a nós a trincheira,
por se manter na linha de frente despertando o pensamento a favor das nossas necessidades.

Sabemos que ainda há muito trabalho pela frente e só podemos seguir porque mulheres como você, Lélia, Conceição, Luiza, Nilma, Carolina e tantas outras, pavimentaram a estrada para que os nossos passos hoje, sejam mais firmes
e a nossa existência prolongada! 

Que o tempo seja gentil contigo,
que seu Orí esteja sempre protegido e seu corpo guardado!
Que a longevidade não seja mais uma novidade para as mulheres negras
que merecem descansar e colher seus frutos também em vida.

Por todas que sonharam essa possibilidade
por nós que vivemos o agora,
pelas que estão no caminho de vinda.

Viva Sueli e seu legado!

Compartilhe

"Ensaio a Sueli"

por Marcela Bonfim

Em Escritos de uma vida,
se reconhece Sueli; 

Reflexos
Negros
Dias

Foram
Dias
de
Partir

Foram
Dias
de
Partir…

Foram
Dias
de
Partir

Foram
Dias
de
Partir…

Ideias
preconcebidas
Detalhes
Racistas
de
um país

Desfrutos?
Covardias! 

Nas Quebras
Dos dias:
Sueli!

Foram
Dias
de
Partir

Foram
Dias
de
Partir…

Foram
Dias
de
Partir

Foram
Dias
de
Partir…

Coletivizar
Fertilizar
Mentes
Femininas

A
história
é o ainda…
E o ainda está
Por vir…

Foram
Dias
de
Partir

Foram
Dias
de
Partir…

Foram
Dias
de
Partir…

Foram
Dias
de
Partir…

Matriarcados
Em Nós
Filosofia…

Compondo
novos
Dias:

Encontro
Sueli!

Foram
Dias
de
Partir

Foram
Dias
de
Partir

Foram
Dias
de
Partir…

Foram
Dias
de
Partir…

Foi… … … … … … …

Compartilhe

Seção de vídeo

A Casa Sueli Carneiro – Ocupação Sueli Carneiro (2021)

Bianca Santana, jornalista, conta como se deu a criação da Casa Sueli Carneiro, fundada no espaço onde a filósofa morou. Esse imóvel recebeu estudantes, reuniões de militantes e funcionou como terreiro de candomblé. Hoje, a casa é uma Organização da Sociedade Civil (ONG), voltada para questões formativas e para a manutenção do legado de Sueli.

Compartilhe

Caminhada Negra: afroturismo resgata histórias da cultura negra no centro de São Paulo

Desde 2018, o centro de São Paulo recebe a Caminhada São Paulo Negra, um passeio turístico a pé que passa por pontos importantes da história e cultura do povo negro. Pontos pelos quais as pessoas muitas vezes passam com frequência e nem imaginam que abrigam narrativas de personagens invisibilizadas. O passeio começa na Praça da Liberdade, dura cerca de três horas e acaba no Largo do Paissandu.

Conversamos com Guilherme Soares Dias fundador do Guia Negro e pesquisador, para entender melhor o que é o passeio. “A gente não tentou fazer uma caminhada histórica. Contamos sobre o passado, mas falamos muito sobre o presente e também sobre o futuro”, explica.

A Caminhada São Paulo Negra acontece uma vez por mês, é uma ação do Guia Negro, portal criado em 2017 para gerar conteúdo sobre viagens, cultura negra, afroturismo, entre outros temas. As reservas podem ser feitas pela internet.

A caminhada acontece uma vez por mês. Como as pessoas fazem para participar? Quanto tempo antes devem se inscrever?

A Caminhada acontece uma vez por mês e a inscrição pode ser feita pelo site ou até na hora, se ainda tiver vagas, mas em geral as inscrições acabam na sexta, e o passeio acontece no sábado ou no domingo. Antes da pandemia, eram 30 vagas, mas agora estamos trabalhando com o número de 15 pessoas. Todas de máscara. Mesmo sendo em espaço totalmente aberto, reduzimos o número de vagas.

O percurso dura aproximadamente quanto tempo e como se dá a interação das pessoas?

O percurso dura até três horas. As pessoas começam a caminhada como uma atividade de descobertas e de trocas, e é interessante perceber que há uma conexão entre elas. Elas saem da caminhada muitas vezes como amigas, interagindo com pessoas que até então não conheciam. É muito bom perceber que dali saem conexões. A gente sempre indica um restaurante africano para o final da atividade e a maioria das pessoas almoça com a gente, continua nessa troca e faz essa interação também no restaurante.

Como o roteiro foi concebido? Pensaram primeiro em um ponto ou em um recorte histórico?

O roteiro foi concebido para contar um pouco da história negra de São Paulo. A gente conversou com pessoas mais velhas, como Oswaldo Faustino, Sueli Chan, ouvimos muito do que a Sueli Carneiro tinha para dizer – e dizia – e é engraçado porque a gente não tentou fazer uma caminhada histórica. Contamos sobre o passado, mas falamos muito sobre o presente e também sobre o futuro. 

A gente começa no bairro da Liberdade, contando as histórias do período da escravização, passa pelo centro de São Paulo falando da imigração africana atual – São Paulo é a cidade que mais recebe imigrantes africanos na América Latina –, fala da Casa Pretahub, que é esse futuro do empreendedorismo, e acaba na estátua da Mãe Preta, no Largo do Paissandu, justamente citando mulheres pretas que são referência, como é o caso de Sueli Carneiro. A gente sempre fala de Sueli na Caminhada e fala também do Geledés.

Ela acontece desde quando e como surgiu a ideia? Ela é uma ação do Guia Negro?

Ela surgiu em junho de 2018, para contar as histórias que não estavam sendo contadas na cidade de São Paulo. A gente sabe que existem vários tours e passeios na cidade, mas eles não falam sobre a história negra, a história negra não estava presente no centro de São Paulo porque ela foi apagada e invisibilizada.  

Ela é uma ação do Guia Negro, que é uma plataforma de afroturismo. Além da caminhada no centro de São Paulo, fazemos outras, uma na Barra Funda, uma no Bixiga. Fazemos também caminhadas em Salvador (BA) – no Pelourinho, no Subúrbio Ferroviário e em Itapuã.

Há uma intenção de promover o afroturismo, fazendo com que as pessoas viajem de formas diversas. Somos uma plataforma de conteúdo, que fala sobre cultura negra e fala sobre viagens, sempre com esse foco para que mais pessoas conheçam a história negra e viajem com esse viés. Fazemos também consultorias, para aumentar a diversidade no turismo e em outras áreas, e articulação política para aumentar a sinalização de patrimônios e monumentos que tenham ligação com a cultura e a história negras.

Qual o perfil do público que busca a caminhada? Tem mais gente de São Paulo mesmo ou de fora da cidade?

O nosso público é variado. 80% das pessoas são paulistanas. Apresentamos a cidade para pessoas que muitas vezes passam todos os dias por aqueles pontos e não os enxergam e não sabem que são lugares importantes para a história do povo negro. Já recebemos crianças, jovens, grupos de escola, até pessoas de 80 anos. É uma caminhada inclusiva e, apesar dos problemas, também acessível, e nós já recebemos cadeirantes. Já fechamos pacote para empresas, fazendo a caminhada como uma ação corporativa.

Hoje a caminhada fica mais no centro, certo? Há a ideia de expandir para outras regiões de São Paulo?

A gente tem vontade de, além do centro, Barra Funda e Bixiga, ir para as periferias. Levar as pessoas para lugares que são tidos como feios, pobres e violentos, e mostrar que eles têm beleza, potência e podem ser visitados turisticamente. Temos muita vontade de ir para o Grajaú, por exemplo, na zona sul de São Paulo.

O objetivo é atingir mais o público negro ou não?

O objetivo é atingir todo mundo. A gente chama de Caminhada São Paulo Negra porque essa história não ganha, em geral, a visibilidade e o protagonismo que merece, mas ela é a história de São Paulo e do Brasil. Muitas pessoas negras procuram a caminhada, mas as pessoas brancas também ficam muito interessadas e o importante mesmo é que todo mundo venha conhecer essa história.

Quais os destaques da caminhada? Cite um ou dois pontos que são mais surpreendentes no percurso.

Um dos pontos que a gente gosta muito de contar fica no bairro da Liberdade. O Chaguinhas era um cabo que se rebelou porque não estava recebendo seu salário corretamente. Por ter liderado essa rebelião, ele foi condenado à morte, na forca, e, quando ia ser morto, a corda que o enforcaria arrebentou três vezes. São Paulo tinha um largo onde aconteciam os enforcamentos públicos e esses enforcamentos eram públicos exatamente para “dar exemplo”, para que as pessoas não tentassem cometer aqueles crimes novamente. Quando a corda arrebentou pela terceira vez, as pessoas começaram a gritar “liberdade”, para tentar libertar o Chaguinhas. Isso não aconteceu, mas, a partir daquele momento, aquele lugar que era conhecido como Largo da Forca passou a ser conhecido como Liberdade.

A gente adora essa história e adora fazer com que ela chegue a mais pessoas. É importante lembrar que o bairro da Liberdade é um bairro preto, que nasceu assim. A maior parte das pessoas que moravam lá, nos séculos XVIII e XIX, eram pretas, e até hoje é assim, o percentual de moradores negros é maior que o de moradores orientais, mas não é essa história que é contada. Contamos essa história não para anular a história japonesa do bairro, mas para dizer que esse bairro é plural, que tem outras histórias que merecem ser contadas também.

Quais personagens históricas negras são abordadas na caminhada?

Falamos de Carolina Maria de Jesus, do Chaguinhas, que já citei, Joaquim Pinto de Oliveira, o Tebas, Luís Gama. Essas são as personagens principais.

Compartilhe

Sobre não andar só

Sueli Carneiro, Conceição Evaristo e Luiza Bairros na Marcha das Mulheres Negras, em 2015

Sueli Carneiro, Conceição Evaristo e Luiza Bairros na Marcha das Mulheres Negras, em 2015. Autoria desconhecida | acervo pessoal Sueli Carneiro

Compartilhe

Seção de vídeo

A guardadora da memória – videoguia 4 – Ocupação Sueli Carneiro (2021)

Em culturas africanas e afro-brasileiras, griô é quem guarda a memória e compartilha tradições e saberes com o seu povo. O educador Edinho Santos, neste videoguia, destaca que tais qualidades estão presentes em Sueli Carneiro, grande referência para diferentes gerações.

Compartilhe