Transcrição da chegada de Nise à casa de Jung [13/07]
Chego às 11:15 em ponto. Leio a inscrição no alto da porta da casa “Invocado ou não, Deus está presente” e entro cheia de emoção.
A empregada conduz-me a uma pequena sala de espera onde passo momentos de grande ansiedade. Olho livros, quadros, estatuetas, mas minha percepção está incapaz de reter qualquer coisa. Depois de andar de um lado para outro sento-me ao lado de um pequeno armário com prateleira forrada de figurinhas X e X provável de vidro.
Na prateleira que está pouco abaixo do nível da minha cadeira vejo de repente uma fisionomia conhecida. Ali estavam as figuras em porcelana de dois cães e um deles, com certeza, é a minha amiga Le Monstre. Minha percepção encontra um objeto para fixar-se. É bem o rosto de Le Monstre, com sua expressão de grande bondade, bem tranquila, bem segura dentro de seus instintos. As orelhas são as mesmas pequenas e abertas. Detenho-me observando que a distribuição do branco e do preto, porém, é diferente, a figura sendo quase o negativo do original.
A porta se abre e eis-me na presença prof. Jung. Ele me conduz à sua biblioteca e enquanto o faz diz-me que as fotografias que lhe mandei do Brasil o interessou muito. Na biblioteca (não saberei descrever nada desta ampla sala), sento-me defronte dele, bem perto, junto a uma janela que se abre sobre o lago. Pergunta-me como encontrei seus livros. Respondo-lhe que seus livros são facilmente encontrados nas livrarias do rio e que entre os psiquiatras brasileiros alguns estão interessados pela psicologia junguiana. Ele ficou surpreendido. Digo-lhe que me aprimorei de sua psicologia porque encontrei nela esclarecimento para problemas pessoais e de outra parte porque via na produção X dos meus doentes a confirmação daquilo que lia em seus livros.
Ele retoma minhas palavras sobre a “siprificação” de sua psicologia em relação a meus problemas pessoais.
Digo-lhe que me sinto rasgada em opostos. Ele diz que nas mulheres que estudam Animus toma uma grande força que está em oposição à sua própria natureza feminina. Ele pode ver quanto o meu Animus é violento “como um galo de briga”.
Conto-lhe o sonho onde ele aparece X à pequena mesa coberta por uma toalha cheia de estrelas. Não sei a constelação que formavam. Ele diz: É sempre assim. E interpreta o sonho mostrando a relação das estrelas com o psiquismo. Astrologia, horóscopo. Cada indivíduo é como uma estrela, como uma morada, sem janelas , segundo dizia Leibnitz. Esta é uma boa comparação. Os acontecimentos entre essas moradas operam-se por sincronicidade.
Nosso plano de desenvolvimento está inserido dentro de nós. Se nós desviamos dele – e esses desvios (X) são sempre trabalho do consciente – “sobressaem” a neurose. Reencontra o seu plano pessoal de desenvolvimento é a cura. Quem segue o seu próprio caminho não pode
tornar-se neurótico.
“Helas je me suis éfarree!”
Digo-lhe que sua psicologia é uma concepção do mundo que dá sentido a todas as coisas e “vinificam” coisas pareciam ter sido mortas pelo racionalismo do século XIX.
– Sim, sua psicologia é uma filosofia na acepção antiga dessa palavra. Em árabe (?) a palavra filosofia significa não “taparelice” , precipitação, mentira. Com efeito, muitas escolas filosóficas não são outra coisa. A verdadeira filosofia, no sentido grego, ensina a viver e é também um
aprendizado para a morte. Porque a morte não é o fim. La mort est um beet. O marco de um recomeço. Digo: foi por isso que Sócrates não teve medo de morrer.
Prof. Jung diz: posso fazer-lhe uma pergunta? – De certo, todas as perguntas. Ele me interroga sobre minha família, sobre meu pai. E diz que antes de meu nascimento já estavam pre-formadas minhas possibilidades de compreensão da psicologia. Diz que eu tenho essas possibilidades. Acha muito importante a origem de pessoas. Ele vem de uma família a qual desde x gerações seus membros eram cultos. Esse prepara para a compreensão psicológica. Ele pode ver os arquétipos na sua atividade.
Interroga-me sobre meu trabalho no Rio, sobre minha viagem e sobre minha analise em Zurich. Digo-lhe que estou muito contente da minha analise com a Dra. Von Franz. “Sim. Ela é um espírito muito universal”.
Falo-lhe de novo dos meus opostos: materialismo e catalicismo. Conto o sonho da hostia de nilon. Ele interpreta: o inconsciente quer indicar que na hóstia a presença de Cristo não é um fato físico. É um símbolo e, como símbolo, pode ser feito de trigo, de metal e mesmo de nilon. É preciso transferir a numinosidade para o símbolo. Cristo como símbolo do sol. Deus em nós. Citação das palavras de Cristo: vós sois Deuses. Cristo – Le X (tom de voz_. Digo-lhe que acabo de ler a Resposta a José e que este livro foi também uma resposta para mim. Peço-lhe para autografar o exemplar que trouxe comigo.
Promete-me, espontaneamente, tornar a ver-me antes de minha volta. Descendo a escada diz que eu fiz muito. Bem em viajar por vapor. Que X vem de avião, deixam pedaços do outro lado e chegam aqui só pela metade. Por isso são Letement superficielles.
Diz que esteve só durante 30 anos. Mesmo hoje ainda poucos aceitam verdadeiramente sua psicologia. As mandalas pintadas pelos doentes brasileiros são uma confirmação de muitos interesse. Ainda há quem diga que ele inventa estas coisas.