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Faceira

imagem: André Seiti

Dona Onete | imagem: André Seiti

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Contadora de histórias

Dona Onete sempre gostou de contar histórias. Seja da infância, seja dos tempos em que atuou como professora ou dos contos e lendas da Amazônia, tudo fica mais bonito quando narrado – ou cantado – por ela.

Neste vídeo, a artista paraense se apresenta como uma legítima cabocla amazônica. A neta, Josivana de Castro, e o filho, Sílvio Renato, relembram as histórias contadas por Dona Onete e destacam o seu dom de transformar tudo em música.

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Ionete na sala de sua casa no município de Igarapé-Miri (PA) em 1982 | imagem: autoria desconhecida/acervo da família

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Professora Ionete

Patrich Depailler

Antes de seguir o caminho do carimbó, Dona Onete ocupava as salas de aula. Seu estilo de ensino – que envolvia dança e canto e que recuperava as tradições culturais do Pará – deixou uma marca em gerações de alunos. Essa parte da sua trajetória é contada por ela própria e pelos pesquisadores Patrich Depailler e Josivana Rodrigues, sua neta.

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Na sala de aula da professora Ionete | Publicação da Ocupação Dona Onete

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Ionete em oração à Nossa Senhora de Fátima na casa de uma vizinha em Belém. O ano é 1999 | imagem: autoria desconhecida/acervo da família

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“É preciso lutar pela própria dignidade”: a trajetória política de Dona Onete

por Dominik Giusti

“No movimento de professores do Baixo Tocantins, tomamos conta da história.” Dona Onete reconhece, sem falsa modéstia, o seu empenho na militância do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação Pública do Estado do Pará (Sintepp), nas décadas de 1980 e 1990, e os frutos das mobilizações dessa categoria. Antes da carreira artística, sua vida profissional consistiu nas aulas dadas como professora de história para alunos da 5ª à 8ª série no município de Igarapé-Miri, no nordeste paraense, assim como para os que integravam o Movimento Brasileiro de Alfabetização, o Mobral.

A professora Ionete, como era chamada, ficou conhecida por suas práticas pedagógicas e artísticas que valorizavam a cultura popular local. “Eu dava aulas cantando”, comenta. Paralelamente à atuação docente peculiar, que a destacava no pequeno município do interior, distante mais de 140 quilômetros de Belém, o engajamento político e a luta docente também foram preponderantes em sua trajetória de vida. Tudo teve início quando ela passou a entender o contexto de repressão da ditadura militar e da supressão dos direitos constitucionais dos cidadãos, em diálogos que ocorriam na Igreja Católica.

O Brasil passava por um período fervoroso de reorganização dos movimentos sociais, logo após o fim do regime ditatorial, em 1985. No interior do Pará, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) era aliada dos movimentos dos trabalhadores rurais e mobilizava os camponeses e a sociedade em prol da luta política. Convidada por uma amiga, Dona Onete aproximou-se daqueles que pregavam a Teologia da Libertação, movimento cristão em defesa dos pobres e oprimidos.

Logo após, aproximou-se de lideranças do Partido dos Trabalhadores (PT), ao qual não chegou a ser formalmente filiada, mas de que era muito simpatizante. Recebeu formação e ajudou a construir a legenda em Igarapé-Miri. Em Barcarena, distante pouco mais de 70 quilômetros de Miri, teve a oportunidade de participar de seu primeiro congresso na categoria. Foi onde ocorreu de forma definitiva o despontar para o seu envolvimento sindical. “Quando cheguei lá, me apresentaram o movimento dos professores. Aquilo foi tomando conta de mim. Parti para essa grande luta”, revela.

A partir de então, Dona Onete assumiu uma postura: a de lutar pelos direitos dos professores de forma aguerrida. Eram muitos problemas identificados no sistema de ensino público, que não a deixavam sossegada, desde a questão salarial até mesmo o conteúdo que era ministrado aos alunos. Ela sempre levava a música como sua aliada, já que costumava cantar para mobilizar os colegas de trabalho. Mas havia um empecilho: ela precisava pedir permissão ao ex-marido para viajar e participar dos encontros.

“Pedi a ele para ir em outro congresso e ele disse que eu não iria cantar, mas era eu quem cantava e eu adorava. E ele disse que iria me tirar do palco. E eu peitei, disse ‘Se tu quiser, tu me tira, mas eu vou’. E daí para a frente meu casamento não prestou mais. A militância me deu forças para eu me separar”, afirma. A cantora era professora tanto da rede municipal quanto da rede estadual.

Com o fim do casamento, as tarefas na atuação sindical se avolumaram. Dona Onete foi fundadora e dirigente da Associação dos Professores de Igarapé-Miri (Aspim). Viajou por vários municípios do Baixo Tocantins para estimular que as associações de docentes fossem criadas, para o fortalecimento e a unidade da categoria na região. Barcarena, Abaetetuba, Moju, Cametá, Limoeiro do Ajuru, Tailândia e Tomé-Açu logo teriam suas associações. Ela também foi muitas vezes até Belém para pressionar parlamentares estaduais.

“A gente defendia a organização de um sindicato estadual e a melhoria nos nossos salários, eram muitos direitos que a gente não tinha. E, para conseguir, era quase na base da porrada. Certa vez, ocupamos a Assembleia Legislativa do Estado do Pará (Alepa), mas ficamos no salão sem fazer bagunça. Quando deu 4 da madrugada, a polícia invadiu com cachorros. Queriam prender os líderes. Eu e uma colega fomos arrastadas pela escada; na hora a gente nem lembra se doeu, lembro que fiquei toda suja”, conta.

Já ciente de que a luta no Pará deveria estar alinhada a uma mobilização nacional, Dona Onete também participou do 1º congresso nacional da classe trabalhadora (Conclat), em agosto de 1983, em São Bernardo do Campo (SP), quando foi fundada a Central Única dos Trabalhadores (CUT). “Saímos de Belém junto com o sindicato dos gráficos. Eram seis ou sete ônibus lotados. Eram quatro dias viajando até lá, o ônibus dava prego, íamos com dinheiro ou sem dinheiro”, recorda.

“Queríamos filiar a Aspim, mas eles não queriam; mas eu sempre fui briguenta, cheguei lá e briguei até que eles nos aceitaram. Quis mostrar que no interior a luta também era grande”, diz a cantora. O Sintepp foi criado em 1988, e Dona Onete participou também desse feito sindical. De volta à sua cidade, fez greves e paralisações, e chamou pais de alunos para conversar sobre política.

O atual prefeito de Igarapé-Miri, Roberto Pina Oliveira, de 63 anos, do PT, começou a militar quando Dona Onete já era conhecida na cidade. Ele conta que até jingle para a primeira candidatura do partido à prefeitura do município a cantora compôs. Ela mesma confessa que também fazia shows e pedia votos para o presidente Lula em períodos de campanha eleitoral para o Executivo federal. “Ela conheceu as organizações sociais e começou a acreditar na militância. Nesse contexto de retomada democrática, teve um papel importantíssimo no interior do Pará, junto com as outras mulheres que assumiram a luta dos professores. Ela sempre teve lado”, comenta o prefeito.

Ele cita como conquistas do movimento sindical dos professores a criação do campus da Universidade Federal do Pará (UFPA) em Abaetetuba, também no nordeste do Pará, em 1987, com cursos de matemática, letras, pedagogia, história e geografia. Foi resultado de esforços e da articulação com nomes do quadro do PT como Paulo Rocha, ex-senador; Edmilson Rodrigues, atual prefeito de Belém, atualmente no Partido Socialismo e Liberdade (PSOL); e Miriquinho Batista, que foi deputado federal. Além dessa vitória, ela se refere também à elaboração do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), instituído em 1996 e implantado em 1998, pelo qual levantava bandeira e que foi fundamental para a incorporação de ganhos salariais para os professores.

A militância de Dona Onete alcançou até mesmo outras pautas, como a gratuidade da passagem de ônibus para idosos. “Até nisso eu me meti”, conta em meio a risos. Após 25 anos em sala de aula, hoje ela diz sentir muito orgulho do que fez na sua categoria. “Sou muito feliz por ter feito tudo isso, a gente foi respeitada. Eu e tantos outros colegas”, afirma. “Os professores de hoje ainda precisam lutar muito pela educação, por seus alunos e pelos salários. Não é fácil ser professor. A luta tem que continuar, professor que baixar a cabeça está se omitindo. É preciso lutar pela própria dignidade”, ensina.

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Integrando cultura e educação | Publicação da Ocupação Dona Onete

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Dona Onete conta uma história de que, nos anos 1980, ela compôs um carimbó e seu marido não a deixava gravar ou cantar. Ela fala que uma vez o Pim, cantor e irmão do Pinduca, foi em sua casa em Igarapé-Miri pedir que o marido a deixasse gravar a música. O marido não a deixava ser artista. Acho que uma parte relevante do encantamento que todo mundo tem com Dona Onete é essa força libertadora, que tem tudo a ver com a sua história de vida e que conta muito sobre essa estrutura machista que existe no mundo da música. Ela é realmente muito libertária, suas letras e atitudes são sobre isso. Em qualquer situação, ela está sempre com um papo muito à frente do que se espera de uma senhora dessa idade vinda do interior do Pará. É realmente muito transgressora e inspiradora nesse sentido.

Felipe Cordeiro, músico, em entrevista ao IC

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