Todos os Cantos

Na Fazenda Riachão, ainda menino de idade, Alceu Valença espiava os encontros musicais que seu avô promovia. De sua mãe (e sem seu pai saber), ganhou um violão quando garoto um pouco maior. Toadas, aboios e mandacarus firmaram-se, então, como influências para ele.

Já adulto, no fim dos anos 1960, depois de uma temporada nos Estados Unidos (onde levou xotes para as praças), Alceu começou a inscrever composições suas em festivais. Tendo mudado para o Rio de Janeiro em 1970, passou a procurar espaço no show business brasileiro. Com Jackson do Pandeiro e Geraldo Azevedo, em 1972, apresentou “Papagaio do Futuro” no Festival Internacional da Canção, cuja desclassificação não refletiu a curiosidade que a faixa gerou em parte da juventude.


Junto com Geraldo, parceiro de todos os tempos, Alceu elaborou o primeiro álbum em 1972. Com arranjos de Rogério Duprat, as gravações foram feitas de madrugada e utilizaram o sistema quadrafônico, uma novidade na época. Pela Som Livre, lançou, em 1974, “Molhado de Suor”, seu primeiro álbum solo.

Desse início até hoje, tanto aconteceu: trocas de gravadoras, sucessos que agarram corações, participação no primeiro Rock in Rio, palcos sem fim pelo mundo – de Montreux ao Recife. A exemplo do tempo, Alceu Valença não tem parada. E carrega consigo todos os cantos que lhe formaram e que formam gerações inteiras. 

Seção de vídeo

O artista

O jornalista José Teles, o guitarrista Paulo Rafael e a cantora Elba Ramalho compartilham as referências de Alceu Valença, ressaltando as parcerias que o músico estabeleceu ao longo da carreira para a construção das linguagens que se consolidam em seus discos. Neste recorte, o compositor Vicente Barreto conta a história da melodia de Morena Tropicana, canção que tem letra assinada por Alceu.

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Amor grande como um abraço de Alceu

Foi no Carnaval de 2019, vestida à la Moana, que Stella Valentina virou notícia e viral: então com 6 anos, a menina pôs o coração na boca e, com os braços em direção às nuvens, sentiu cada canção do repertório apresentado por Alceu Valença no bloco Bicho Maluco Beleza. Diversos celulares a registraram, em foto e vídeo, no ombro do pai, Uberlan Garcia, cantando, cantando, cantando. O jeito livre e apaixonado de Stella conquistou tanto quem, como ela, era público a ocupar as ruas de São Paulo quanto o próprio artista e sua equipe. Em dada etapa do percurso, Yanê Montenegro, esposa e empresária do cantor, segurou o olhar na pequena e, sem demora, solicitou que levassem a fã mirim para o trio. E, desse modo, no tempo de um assobio, ele e ela, Alceu e Stella Valentina, fizeram de “La Belle de Jour” um dueto de carinho. A beleza daquela tarde, afinal, veio dessa união.

Da parte de Stella, esse laço, é certo, chegou como herança. Da mãe, Fernanda Garcia, vem a raiz de Pernambuco, o mesmo estado do mestre de São Bento do Una. Do lado paterno, as origens se voltam para terras paraibanas: Uberlan muito se orgulha de ser conterrâneo dos Ramalhos – Elba e Zé – e, à filha, faz questão de transmitir o gosto pela música. A arte do som ganha essa família por meio de um mundo de gente: na sala da casa, no centro do rack, um box de Frank Sinatra; no carro, o CD d’O Grande Encontro; na playlist escolhida pela garota há de Nina Simone a Teresa Cristina. E claro: Alceu, bastante Alceu.

Aos 3 anos, Stella viu e ouviu ao vivo, pela primeira vez, o ídolo. Em algum momento desse show, o brincante Valença convidou crianças da plateia para o palco, e a menina ligeira não se fez de rogada. “Ela escapa como peixe ensaboado e sai correndo”, brinca Uberlan. E foi justamente assim, peixinha com sabão, que ela não parou mais de acompanhar o compositor querido. Quando tinha 5 anos, adicionou à sua lista o segundo espetáculo de Alceu – que, de novo, quis colocá-la sob os holofotes. Nesse dia, porém, a pequena estava rouca e guardou a exibição para depois.

O depois veio, veio ainda maior e atingiu o ápice no bloco carnavalesco. Além de ter dividido o microfone com o intérprete de “Morena Tropicana”, Stella Valentina passou a ser, desde então, próxima do artista. No camarim, a dupla deu um abraço demorado, gesto de uns 20 minutos, e se reconheceu na disponibilidade para a conversa (igualmente longa). Com ele, ela aprende exercícios vocais, os “bá bá bá bá bá bá”, e é incentivada a fazer aulas de canto. “Valentina está cantando bem, mas tem que ensaiar”, repete Alceu. Verdade seja dita, os pais de Stella também a estimulam a descobrir as artes, leque que inclui não só o universo da voz. Ela fez balé clássico, mas Fernanda a via engessada e a desmatriculou. No lugar, hoje, está o treino de coreografias de dança afro. Para fechar, por enquanto, a relação de atividades, aparece a prática do teclado. No fundo, experienciar esses e demais campos criativos alimenta a sensibilidade da garota, que, tão nova, deseja um futuro repleto de manifestações artísticas. “Sonho em cantar, dançar, tocar, essas coisas”, diz Stella – espirituosa, risonha.

Tamanha é a vontade da menina em se expressar que ela mantém um canal no YouTube: por lá, cantarola Noel Rosa, homenageia Conceição Evaristo e compartilha um recado que Alceu lhe enviou após o encontro durante o Carnaval. Os vídeos publicados, assim como as redes sociais da pequena, possuem o crivo de Fernanda e Uberlan, que se preocupam com os conteúdos produzidos pela filha. Assuntos que alegrem, ensinem e empoderem Stella e outras crianças são preferidos. E o cuidado não para por aí: a mãe enfatiza que a youtuber infantil é conhecida – não famosa. “Acho importante diferenciar isso para que ela não fique deslumbrada”, pontua Fernanda. Todo esse amparo possibilita que a infância de Stella continue sendo, de fato, infância.

Meninice inquieta, curiosa, de pés no chão, de quem decora com o pai as letras de “Anunciação” e “Eu Vou Fazer Você Voar”. Toda entregue ao afeto por Alceu Valença, Stella Valentina presenteou o artista em um show no Auditório Ibirapuera, em novembro de 2019, com girassóis, posto que ele, gira gira gira girando, revelou para ela que flor é música e música é flor. E ela, por seu turno, realçou para ele que sua música-flor revive a cada geração e não deixa de acolher idade alguma. Amiga do ídolo de abraço grande, Stella carrega, vida afora, um amor grande, também grande, por Alceu, aquele que a conduz antes mesmo de ela vir à vida.

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