A Amazônia já foi chamada de “pulmão do mundo”, mas, embora conte com uma imensa biodiversidade, colocar todo esse peso na região é um erro. O que a Amazônia produz é, praticamente, todo consumido por ela mesma – como um sistema de retroalimentação. Não se deve romantizar a Amazônia, região que já sofreu – e ainda sofre – com a exploração e a ganância de quem busca riqueza em suas terras.
Com a Ocupação Dona Onete, a primeira artista com origem no Norte do país a ser homenageada pelo programa do Itaú Cultural (IC), reforçamos as tantas narrativas que esse território apresenta – de Belém (PA) a Manaus (AM), as duas maiores capitais da região, cidades com culturas locais tão ricas; de Igarapé-Miri à Ilha do Marajó, territórios que marcam a trajetória de Dona Onete.
Nesta linha do tempo, que acompanha a cantora do seu nascimento aos lançamentos e às turnês musicais, voltamos nossa atenção para fatos históricos e culturais da região da Amazônia – ou, como a pesquisadora Vânia Leal ressalta, “Amazônias”.
por Vânia Leal
com colaboração de Emerson Caldas
1939
Em 18 de junho, nasce Ionete da Silveira Gama, filha de Alfredo Gama Junior e Maria Raimunda da Silveira Gama, no município de Cachoeira do Arari, na Ilha do Marajó, no Pará. Ainda criança, muda-se para o bairro da Pedreira, em Belém.
Neste período, a Amazônia passa pelo segundo boom da borracha brasileira, em 1940, por causa da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), acarretando nova mão de obra encaminhada pelo governo brasileiro aos seringais da região – da seringueira se extrai a matéria-prima para a fabricação da borracha. O território passa a ser conhecido como Novo Eldorado.
1950
A mãe de Ionete, Maria Raimunda da Silveira Gama, falece quando a cantora tem apenas 11 anos. A menina passa a residir com a avó Quitéria Ferreira Gama. Em Belém, de 1950 a 1955, realiza seus estudos primários nas escolas Justo Chermont e Dr. Freitas, até a 5a série. Durante as férias, costuma viajar com a avó para Igarapé-Miri, no Rio das Flores.
1955
Aos 16 anos, tem suas primeiras experiências no magistério, auxiliando seu tio Mailson em uma escola municipal que funcionava na residência deste, em Igarapé-Miri.
São criados os municípios amazonenses de Atalaia do Norte, Autazes, Careiro, Envira, Japurá, Juruá, Jutaí, Maraã, Nova Olinda do Norte, Novo Aripuanã e Tapauá.
1958
Aos 19 anos, Dona Onete muda-se para Igarapé-Miri, onde se casa com Raimundo Nonato. O casal tem dois filhos, Renato e Silvana. Nesse período, inicia suas pesquisas no folclore miriense, assunto que aborda nas aulas de história e estudos paraenses que ministra na Escola Aristóteles Emiliano de Castro. Nas festas de Carnaval e boi-bumbá, ela e o marido iniciam na produção artístico-cultural, na exibição de blocos de rua, Carnaval, boi-bumbá e festa junina. Dona Onete já escrevia letras que eram censuradas pelo marido.
Anos 1960
Com o início da ditadura militar, em 1964, o discurso nacionalista da época deixa suas marcas na Amazônia. Com a perspectiva dos militares de unificação do país, falam sobre a proteção da floresta contra a internacionalização. Em 1966, o presidente Castelo Branco lança o discurso nacionalista “Integrar para não entregar”.
O incentivo à ocupação e à exploração da Amazônia ocasiona um aumento da área desmatada – que, em 1978, chega a 14 milhões de hectares.
Anos 1970
Em 1975, surge a Rauland Belém Som, empresa que lançou cantores locais de gêneros como carimbó, siriá, bolero e merengue. Pinduca, Mestre Cupijó, Orlando Pereira, Emanuel Vagner e Francis Dalva são alguns deles. Nos anos 1980, a Rauland torna-se RJ Produções.
Anos 1980
Quando completa 25 anos de casada, Dona Onete se divorcia. E, no início de 1980, a convite de amigas, passa a integrar a militância do Partido dos Trabalhadores (PT), fundado em fevereiro do mesmo ano.
Na década de 1980, o Papa João Paulo vem ao Brasil e visita algumas cidades do país, entre elas Belém do Pará.
Rondônia, em 1981, Amapá e Roraima, ambos em 1988, deixam de ser territórios e passam a ser estados do Brasil.
1989
Dona Onete cria o Grupo Canarana, em Igarapé-Miri, que apresenta “Coisa de Miri”, com 12 músicas compostas por Dona Onete, entre elas “Nosso Igarapé-Miri”.
1996
Dona Onete assume o cargo de assessora de Cultura no município de Igarapé-Miri, quando passa a se aprofundar mais na história da cidade.
Anos 2000
Dona Onete passa a integrar o Coletivo Rádio Cipó, importante grupo de valorização de artistas paraenses, como Mestre Laurentino e Mestre Bereco.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população da Amazônia Legal chega a 21 milhões de pessoas em 2000. Estudos sobre os impactos da intervenção humana na Floresta Amazônica avançam em sua consistência. A ONG Imazon, em 2002, realiza pesquisa apontando que 47% do território passa por algum tipo de pressão humana.
Com o surgimento do tecnobrega nos anos 2000, a banda paraense Tecno Show, da cantora Gaby Amarantos, passa a misturar ritmos como carimbó, calypso (brega pop), forró eletrônico e músicas internacionais que dominaram a programação de emissoras de rádio no ano de 2002.
2006
A música “Mareia, mareia”, composta por Dona Onete, é vencedora do prêmio Troféu Mestre Lucindo, na categoria Carimbó de Raiz, durante a terceira edição do Festival de carimbó de Marapanim (PA).
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sanciona a Lei Maria da Penha, que aumenta o rigor nas punições de agressões contra a mulher.
Em 26 de agosto de 2004, é celebrado o centenário de Mestre Verequete, músico influente do carimbó raiz. A data passa a representar, em Belém do Pará, o Dia Municipal do Carimbó, com base na Lei no 8.305.
2008
Dona Onete e outros professores e historiadores são convidados a contar a história de Igarapé-Miri para os carnavalescos da escola de samba Rancho Não Posso me Amofinar, de Belém, que homenageia aquela cidade. A escola sagra-se campeã, com o samba-enredo “Dos mamangais aos caminhos de canoa pequena”.
2011
A cidade de São Paulo recebe uma edição do Festival Terruá Pará, criado em Belém.
2012
Dona Onete lança seu primeiro disco, intitulado Feitiço caboclo, produzido pelo músico Marco André. Ainda neste ano, a cantora participa da faixa “Mestiça”, do álbum Treme, de Gaby Amarantos.
2013
É lançado o livro A menina Onete: travessias e travessuras, de Antônio Maria de Souza Santos e Josivana de Castro Rodrigues, neta de Dona Onete.
2014
Dona Onete é entrevistada pela BBC, no LatAm beats.
Durante os anos de 2008 e 2013, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) realiza o Levantamento preliminar e identificação do carimbó nas Mesorregiões Nordeste Paraense, Metropolitana de Belém e Marajó. Em 2014, o carimbó é titulado como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil.
Em 2015, ocorre o I congresso estadual do carimbó, no município de Ananindeua (Região Metropolitana de Belém), em parceria com o Iphan, com o intuito de promover um debate sobre a cultura amazônica e o carimbó como ritmo de resistência da ancestralidade do povo paraense.
2016
Dona Onete lança seu segundo álbum, Banzeiro, no qual reúne canções inéditas. A cantora passa a ter reconhecimento internacional, sendo admirada em países da Europa e nos Estados Unidos. Em novembro de 2016, apresenta-se na Elabash City Hall, onde é prestigiada por cantores como Caetano Veloso e David Byrne.
2017
Em julho, Dona Onete é capa da revista Songlines. Realiza sua quarta turnê na Europa, nos eventos Rudolstadt festival, na Alemanha, Zwarte Cross, na Holanda, e WorldWide festival (do DJ e produtor Gilles Peterson), na França. Em junho/julho, é a única artista brasileira a integrar o World Music Charts Europe, ficando no top 20 com “Banzeiro”. É indicada ao Prêmio da Música Brasileira de 2017, na categoria Melhor Cantora Regional, e nomeada para a Ordem do Mérito Cultural.
2018
Lança o LP ao vivo Flor da Lua.
2019
Dona Onete se apresenta no Rock in Rio, no palco Sunset. Lança o disco Rebujo, que é eleito um dos 25 melhores álbuns brasileiros pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA).
2021
Participa da faixa “Última lágrima”, do álbum Purakê, de Gaby Amarantos, ao lado da Elza Soares e Alcione.
2022
Aos 83 anos, a cantora recebe, no Theatro da Paz, em Belém do Pará, o troféu Tradições, concedido pela União Brasileira de Compositores (UBC).
Ocorre a 15a edição do Festival Psica, celebrando 15 anos de valorização da música paraense e seu diálogo com o cenário artístico nacional.
Referências
CAMPELO, Lilian Cristina Holanda. Dona Onete e o imaginário folk-amazônico. In: XXXIV CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO – INTERCOM, 2 a 6 set. 2011, Recife. Anais […]. Recife, 2011.
COSTA, Tony Leão da. Brega paraense: indústria cultural e tradição na música popular do Norte do Brasil. In: XXVI SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – ANPUH, jul. 2011, São Paulo. Anais […]. São Paulo, 2011. Disponível em: http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300474696_ARQUIVO_Brega-ANPUH2011.pdf.
MORAES, Patrich Depailler Ferreira. O feitiço caboclo de Dona Onete: um olhar etnomusicológico sobre a trajetória do carimbó chamegado, de Igarapé-Miri a Belém. 2014. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Ciências das Artes, Programa de Pós-Graduação em Artes, Universidade Federal do Pará, Belém, 2014. Disponível em: https://ppgartes.propesp.ufpa.br/disserta%C3%A7%C3%B5es/2012/Patrich%20Moares.pdf. Acesso em: 12 dez. 2022.