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O escritor-leitor

Machado de Assis, o leitor

A biblioteca pessoal de Machado de Assis pertence à Academia Brasileira de Letras e tem o perfil enciclopédico comum ao século XIX. “A biblioteca dos letrados brasileiros daquele período é marcada por muitos títulos em francês, assim como por um interesse pelas ciências em geral”, afirma Luciana Antonini Schoeps – pesquisadora com pós-doutorado na área de literatura brasileira pela Universidade de São Paulo (USP) e que estudou a biblioteca particular de Machado de Assis. “O interesse pelas ciências também é uma característica. Ele tinha livros dos primórdios da psicanálise e também coisas sobre evolucionismo e demais correntes filosóficas da época”, completa.

Os clássicos da literatura mundial também estão presentes na coleção de Machado de Assis. A partir deles, foi possível notar que o maior escritor brasileiro tinha uma biblioteca “limpa”, com raras interferências. “Não vemos marginálias, grifos, anotações. São poucos os livros que têm esse tipo de intervenção do leitor Machado de Assis no objeto livro”, diz Luciana Schoeps.

Os grifados, portanto, chamaram a atenção da pesquisadora. E um dos livros com mais anotações é A divina comédia, de Dante Alighieri, aqui na versão italiana original e que aparece em romances e contos da obra machadiana. Machado de Assis, inclusive, a traduziu para o português. Outras anotações podem ser encontradas nas revistas do Instituto Histórico e Geográfico, cuja coleção ele tinha quase completa.

As literaturas brasileira e portuguesa não aparecem no acervo de Machado. Um dos motivos dessa lacuna se deve ao fato de que ele lia bastante no Real Gabinete Português de Leitura.

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Quem foi o leitor Machado de Assis?

Júlio César Mendonça Ferreira, chefe das bibliotecas da Academia Brasileira de Letras (ABL), e a pesquisadora Luciana Antonini Schoeps, também consultora da Ocupação Machado de Assis, falam sobre Machado como leitor. Júlio destaca que a biblioteca particular do artista, de caráter enciclopédido e com clássicos da literatura, foi doada à ABL em 1965. Luciana, por sua vez, salienta o cuidado do ficcionista com os livros.

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Destaques

– Edição em francês de A república (La république), do filósofo Platão. Neste livro, cujo tema principal é a justiça, também se descreve o que seria uma cidade ideal. Entre outras referências a Platão nos textos machadianos, há esta passagem de Ressurreição: “Meu espírito criara um mundo seu, uma sociedade platônica, em que a fraternidade era a língua universal, e o amor, a lei comum”.

– Edições em francês de Ilíada (Iliade) e Odisseia (Odyssée), do poeta Homero. Os versos do poeta grego são lembrados muitas vezes no trabalho de Machado de Assis, em geral para comparações e metáforas.

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O acervo machadiano na ABL

Maria Oliveira, chefe do Arquivo Múcio Leão, da Academia Brasileira de Letras (ABL), explica como a memória machadiana está guardada na instituição (o Fundo e a Coleção Machado de Assis), formando um acervo que conta com documetos, originais de livros e correspondências, por exemplo.

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– Edição em francês de Teatro (Théâtre), do escritor Johann Wolfgang von Goethe. Outros títulos do autor, como Fausto e Os sofrimentos do jovem Werther, são citados por Machado de Assis em suas obras.

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“Que Stendhal confessasse haver escrito um de seus livros para cem leitores, cousa é que admira e consterna. O que não admira, nem provavelmente consternará é se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cinquenta, nem vinte, e quando muito, dez. Dez? Talvez cinco” – “Memórias póstumas de Brás Cubas”

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– Edição em francês de Teatro francês século XVII-XVIII (Théatre français siècle XVII – XVIII), de vários autores.

– Edição em francês de As confissões (Les confessions), do filósofo Jean-Jacques Rousseau.

– Edição em francês de O vermelho e o negro (Le rouge et le noir), do escritor Stendhal. Em Memórias póstumas de Brás Cubas, o defunto autor se compara ao francês: “Que Stendhal confessasse haver escrito um de seus livros para cem leitores, cousa é que admira e consterna. O que não admira, nem provavelmente consternará é se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cinquenta, nem vinte, e quando muito, dez. Dez? Talvez cinco”.

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Sobre o leitor amigo

O professor e pesquisador Hélio de Seixas Guimarães, também consultor da Ocupação Machado de Assis, e o escritor Jeferson Tenório, autor de O avesso da pele (2020), falam sobre a figura do leitor na produção machadiana, leitor que é, com frequência, chamado para o texto pelo mestre das palavras.

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A divina comédia, de Dante Alighieri, citado em romances e contos da obra machadiana, e traduzido para o português pelo ficcionista.

– Edição em espanhol de Dom Quixote (Don Quijote de la Mancha), do escritor Miguel de Cervantes. Entre outras referências ao livro na obra de Machado de Assis, há esta passagem do conto “Almas agradecidas”: “Qual importa mais à vida, ser Dom Quixote ou Sancho Pança? O ideal ou o prático? A generosidade ou a prudência?”.

– Edição em francês de Confissões (Confessions), do filósofo cristão Agostinho de Hipona. O personagem Tito do conto “Linha reta e linha curva”, de Machado de Assis, mostra interesse por esse livro. Já em Casa velha, o narrador afirma: “Amor non improbatur, escreveu o grande Santo Agostinho. A questão para ele, como para mim, é que as criaturas sejam amadas e amem em Deus”.

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