De: Até: Em:

Contribuição milionária

"Não me arrogo funções de bússola."

Oswald, no texto "A poesia pau-brasil", de 18 de setembro de 1925, publicado em Os Dentes do Dragão

Compartilhe

A vida é devoração pura: antropofagia, entre-ser e o horizonte anticolonial, por Alexandre Nodari

Compartilhe

Seção de vídeo

A revolução de "O rei da vela"

A atriz Ítala Nandi, o ator Renato Borghi e o diretor Zé Celso comentam a montagem feita pelo Teatro Oficina de um dos textos do Oswald de Andrade dramaturgo, “O rei da vela”. Colocada em cena em 1967, a peça foi um marco no teatro brasileiro, rompendo com padrões vigentes.

Compartilhe

O rei da vela

O rei da vela – Coleção Marília de Andrade

Compartilhe

O rei da vela

Compartilhe

Rei da vela – Coleção Marília de Andrade

Oswald de Andrade revisitado

O escritor modernista como referência criativa e estruturante da poesia concreta

 

por Maria Clara Matos

“Oswald: ‘somos concretistas’”, texto de Augusto de Campos escrito em 1960, referencia a expressão “somos concretistas”, presente no “Manifesto antropófago” (1928), de Oswald de Andrade. O título, além de celebrar o modernista, revela sua relação com os poetas concretos. 

Liderado pelos irmãos Haroldo e Augusto de Campos e por Décio Pignatari, o movimento da poesia concreta surgiu no início dos anos 1950, com a publicação da revista Noigandres (1952-1962), inaugurando uma nova maneira de fazer poesia. Ligado a outras expressões artísticas, como as artes visuais, o cinema e a música, e de espírito transgressor, o movimento subverteu não só a poesia como a produção artística nacional.

Inspirados pela produção revolucionária e inventiva – com os jogos de palavras nas páginas, o uso de neologismos, a paronomásia e o verso livre – e pela radicalidade poética de Oswald de Andrade, os concretistas voltaram-se à produção do modernista, que, durante as décadas de 1940 e 1950, sofria de um profundo isolamento e descrédito como escritor. 

É importante lembrar que, antes da retomada pelos concretistas, Antonio Candido havia iniciado, nos anos 1940, um processo de revalorização crítica da obra de Oswald, em um ensaio chamado “Estouro e libertação” (1945), publicado no livro Brigada ligeira. Nele, o sociólogo, ensaísta, crítico literário e professor exalta a qualidade de Serafim Ponte Grande (1933) e Memórias sentimentais de João Miramar (1924), que se destacariam pelo experimentalismo formal e pelo estilo telegráfico que, anos depois, influenciaram a produção dos concretos. Mas os esforços de Candido não haviam sido suficientes para retirar Oswald do esquecimento.

Muitos atribuem o desprezo em relação à obra do autor ao seu temperamento controverso, que provocava a sociedade conservadora brasileira, mas o poeta Frederico Barbosa destaca que um dos principais motivos de seu ostracismo foi sua persistência em relação aos princípios modernistas. O também ensaísta e professor destaca que alguns dos modernistas que fizeram a literatura na década de 1930 estavam optando por formas menos experimentais, cobrindo-se de uma poesia mais tradicional e voltando, de certa forma, ao Parnasianismo. Oswald, no entanto, mantinha sua postura modernista: “Em sua biografia, Oswald diz que sua principal característica é que não anda para trás”, emenda Frederico.

Eduardo Sterzi, escritor, crítico literário e professor de teoria literária na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), corrobora o argumento dizendo que, na época, poetas modernistas, principais poetas oriundos do modernismo ainda em ação, “depois de experiências radicais com o verso livre, exercitavam um retorno ao verso medido anterior ao modernismo, assim como às formas fixas descartadas no momento de maior entusiasmo – por exemplo, o soneto –, ao mesmo tempo que recuperavam um certo imaginário greco-romano”. 

Os jovens poetas concretistas, que naquele momento buscavam tornar suas experiências singulares e inovadoras, optaram por se alinhar com o trabalho de vanguarda de Oswald, revalorizando sua literatura. “Pode-se mesmo compreender o paideuma dos concretistas – isto é, a seleção de autores que eles consideravam cruciais para a renovação da linguagem poética (Mallarmé, Joyce, Pound, Cummings) – como uma contraposição direta às reivindicações das obras de outros poetas, como Rilke e Eliot, por seus contemporâneos”, conclui Sterzi, autor do livro Saudades do mundo, em que se dedica a lançar um novo olhar sobre o modernismo e a antropofagia. 

A inclusão de Oswald no paideuma dos poetas concretos já era referida nos primeiros manifestos do movimento, como “Nova poesia: concreta”, de Décio Pignatari, publicado em 1956 – mesmo ano da Exposição nacional da arte concreta

Nacionalismo crítico

Segundo Sterzi, os concretistas foram decisivos para a recuperação da obra de Oswald de Andrade “num momento em que esta era menosprezada ou mesmo desprezada, com a antropofagia aparecendo como um dos elementos mais importantes dessa recuperação”.

A antropofagia é um conceito central do modernismo brasileiro e especialmente expresso no “Manifesto antropófago”, concebido em 1928 por Oswald de Andrade. O escritor propôs a ideia de que a cultura brasileira deveria “devorar” o que havia de melhor nas influências estrangeiras, reinterpretando-as à luz da realidade brasileira. A metáfora sugeria que o país, ao assimilar e transformar tais influências externas, poderia criar uma identidade cultural autêntica e original.  

Segundo Haroldo de Campos em trecho da biografia Verdade tropical (2008), de Caetano Veloso, a antropofagia visa “assimilar sob espécie brasileira a experiência estrangeira e reinventá-la em termos nossos, com qualidades locais ineludíveis que dariam ao produto resultante um caráter autônomo’”. Nesse sentido, como Gonzalo Aguilar comenta em Poesia concreta brasileira: as vanguardas na encruzilhada modernista (2005), os poetas concretos tiveram de “recuperar figuras modernistas em uma nova constelação e empreender a busca de escritores brasileiros que cumprissem com o postulado de um nacionalismo crítico”.

A postura dos concretistas era estudar, ler e encontrar grandes poemas na Grécia Antiga e nas literaturas barroca, inglesa e portuguesa. “Encontrar ideias em Mallarmé, Joyce, Pound e Cummings, mas não com subserviência. Pegavam o que havia de bom em cada um deles – em cada poema, em cada cultura, em cada país – para criar uma poesia nova. Acredito que essa postura é a realização do sonho de Oswald”, afirma Frederico Barbosa.

Dada a atualidade das obras de Oswald de Andrade e a contínua reflexão sobre elas, vale compartilhar um confronto de opiniões. Sterzi pondera que os concretistas não estiveram completamente à altura da novidade das proposições mais radicais de Oswald, “por terem interpretado a antropofagia como uma operação de absorção crítica do estrangeiro para a construção de uma identidade nacional, quando a sua proposta era, na verdade, muito mais transgressora, renegando a própria ideia de nacionalidade como ponto de chegada da operação antropofágica”. 

O escritor, no entanto, não deixa de destacar que o trabalho de recuperação de Oswald por parte dos concretistas foi essencial, na medida em que influenciou aqueles que “levaram adiante o que havia de mais desconcertante na obra oswaldiana, um José Celso Martinez Corrêa no teatro, um Glauber Rocha no cinema, um Hélio Oiticica nas artes plásticas, um Caetano Veloso na música”. 

Compartilhe