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Memórias sentimentais

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Oswald ou Oswalds?

Um Oswald, vários Oswalds. Quem foi o escritor, o modernista, o pai, o mito, em depoimentos de várias pessoas, como os jornalista e biógrafos Lira Neto e Maria Augusta Fonseca, além da filha Marília de Andrade.

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A mãe

Inês Henriqueta Inglês de Sousa Andrade, mãe de Oswald, nasceu em Óbidos (PA) | imagem: autoria não identificada | acervo: Centro de Documentação Cultural Alexandre Eulalio, da Universidade Estadual de Campinas (Cedae/Unicamp)

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O pai

José Oswald Nogueira de Andrade, o pai, veio de uma família de fazendeiros de Baependi (MG)| imagem: autoria não identificada | acervo: Centro de Documentação Cultural Alexandre Eulalio, da Universidade Estadual de Campinas (Cedae/Unicamp)

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1890

Oswald de Andrade aos 9 meses, 1890 | imagem: autoria não identificada | acervo: Centro de Documentação Cultural Alexandre Eulalio, da Universidade Estadual de Campinas (Cedae/Unicamp)

Viajante

Cartão-postal enviado por Oswald à sua mãe. No verso, os seguintes dizeres:
“Mamãe, aqui vai um instantâneo que me fizeram a bordo. Não mostre a ninguém
que está muito feio, xii! Adeus. Abençoe. O filho querido, Nonê”, s.d. | imagem: autoria não identificada | coleção: Marília de Andrade

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Oswald à mesa

por Rudá K. de Andrade

Oswald não era propriamente um homem da cozinha. Quando passava por lá, era para palpitar, fazer o café da manhã ou atacar a geladeira nas madrugadas. Sua vontade de devorar o mundo, porém, era seu apetite de viver. Do vasto repertório da alimentação de que pôde provar, Oswald desenvolveu textos, poesias, brincadeiras, metáforas e utopias. O recorte culinário da biografia e da obra de Oswald de Andrade leva à digestão uma peculiar reflexão sobre a trajetória e o legado literário do autor. Ao seguirmos suas mordidas, encontramos suas predileções, os convivas com quem partilhava as refeições, os lugares que frequentava e os momentos importantes de sua vida que ocorreram em torno da mesa. A organização da Semana de 1922, as inspirações líricas, as escritas literárias, os encontros e afetos, o pau brasil e a antropofagia. Para nosso espanto, tudo aconteceu em volta da mesa.

A Semana de 1922 foi arregimentada durante os encontros de modernistas nos tradicionais salões da aristocracia paulistana, no mesmo momento em que as cozinhas de cunho afro-brasileiro e caipira começaram a aparecer em almoços e jantares antes ditados apenas pela culinária francesa. Assim, vatapás melavam menus de dendê, farofas voavam com poemas declamados e tutus telúricos e coroas de cuscuz-paulista alegravam as refeições. Tudo equilibrado e sem exageros para não ofender os paladares conservadores.

Anos mais tarde, sob o argumento de a poesia existir nos fatos, Oswald insere a culinária tradicional no cenário estético moderno e nacional. Para tanto, enaltece o vatapá, que, com seu amarelo terroso, compõe, junto com as cores ocre e açafrão, uma das tonalidades do “Manifesto da poesia pau brasil”, de 1924.

A formação étnica rica. Riqueza vegetal. O minério. A cozinha. O vatapá, o ouro e a dança.

 Quando vive em Paris com Tarsila, Oswald põe em prática seu projeto de exportação cultural com produtos para além da poesia. Em sua mala leva pinga, que era um sucesso; goiabada, para acompanhar os queijos franceses; e café, o símbolo maior da exportação nacional. Entre almoços e jantares brasileiros oferecidos pelo casal Tarsiwald aos artistas em Paris, as feijoadas, as caipirinhas, as canjas, os cigarros de palha e outros quitutes se apresentavam como sedutores cartões de visita e proporcionavam alegre sociabilidade. As receitas e comidas brasileiras diplomaticamente mediavam o diálogo entre as culturas nos encontros de artistas.

Tal qual os personagens João Miramar e Serafim Ponte Grande, Oswald percorria o mundo, onde toma chá nos transatlânticos, conhece o cuscuz marroquino, prova macarronadas em Nápoles, sente o cheiro do fromage à la crème, participa de almoços de negócio em Londres, frequenta a boemia de Paris e, bêbado de cocktails, perde uma fortuna no cassino de Cannes.

Para os modernistas, o deglutir era uma ação moderna. Além da presença em boa parte da literatura da época, a alimentação foi eixo central de importantes obras e pensamentos, nos quais era comum o emprego de conceitos fisiológicos para expressar ideias. Alguns elementos da filosofia antropofágica de Oswald de Andrade já haviam sido empregados por outros escritores. No entanto, a adaptação do termo ao discurso modernista foi eficiente nas respostas às questões que emergiam.

Como não poderia deixar de ser, tudo começou com uma brincadeira em um jantar em que foram servidas rãs à provençal, que saltavam dos pratos às bocas geladas por goles de Chablis. Sob aplausos dos modernistas, Oswald fez um discurso burlesco no qual incluía o anfíbio na linha evolutiva do ser humano. Ao sabor da semelhança entre a rã frita e uma pessoa deitada, Tarsila arrematava que estavam “sendo uns… quase antropófagos”. A partir de então, a brincadeira virou “um jogo divertido de ideias”[1] que originou o quadro Abaporu, o manifesto e a Revista de Antropofagia.

Segundo Oswald, a antropofagia exprimia um modo de viver inspirado no estado de devir, ocasionado pela incorporação dos valores e nutrientes simbólicos do sacrifício antropofágico indígena. Ao reconhecer o alimento como simbologia capaz de nutrir grupos e indivíduos, Oswald acessa a chave para a estruturação de suas ideias. Comer é consumir valores, conhecimentos, experiências de vida. A cultura se revela como alimento tanto quanto a alimentação é um ato cultural. Por essa perspectiva perpassa a literatura e o entendimento metafísico-gastronômico de Oswald. Ao longo de sua obra, é possível notar diversas passagens nas quais os alimentos e as refeições configuram-se como representações de identidade cultural, como crítica histórica ou como recurso metafórico para entendimento do mundo.

A antropofagia não era só uma metáfora para Oswald de Andrade, mas, fundamentalmente, o seu modo de existência. Antonio Candido admirava “sua capacidade surpreendente de absorver o mundo, triturá-lo para recompô-lo”. A partir de “fragmentos da moagem de pessoas, fatos e valores”, Oswald deglutia a vida e construía seus textos, personagens e pensamentos. Tinha apetite pelo novo. Gente, ideias, lugares, modas, arte. As novidades urgiam ser experimentadas. Mastigo, logo existo. O cozinheiro de almas depurava as informações que lhe interessavam para as “transformar em substâncias de enriquecimento pessoal”.[2]

Em seus textos, o autor pregava a alegria como a prova dos nove. Do riso, momento que expressa descontração e relaxamento do corpo, saltam os dentes que mordem e trituram. O sorriso mostra o risco. Assim como a pimenta traz alegria à feijoada, Oswald é a ardência do Modernismo tupiniquim. Com brasa na língua e coração acelerado, sua literatura também nos faz suar e chorar de rir.

Sabor, humor.

Rudá K. de Andrade é historiador, curador, escritor, cozinheiro, criador audiovisual e produtor de conteúdo. Mais um homem sem profissão. É neto de Oswald de Andrade e, sobre o avô, escreveu A arte de devorar o mundo: aventuras gastronômicas de Oswald de Andrade (2021). Saiba mais em rudakandrade.com.

[1] BOPP, Raul. Vida e morte da antropofagia. São Paulo: José Olympio Editora, 2012. p. 26-27.

[2] CANDIDO, Antonio. Digressão sentimental sobre Oswald de Andrade. In: CANDIDO, Antonio. Vários escritos. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul; São Paulo: Duas Cidades, 2004. p. 49.

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"Se alguma coisa eu trouxe das minhas viagens à Europa dentre duas guerras, foi o Brasil mesmo."

Oswald de Andrade

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Na falta de Paris...

– E tendo sua formação literária tão vincada à França, como se considera: um escritor francês ou brasileiro?
– Brasileiro. Amo a França. Quem não ama a França? Mas no fundo sou brasileiro dos quatro costados.
– Se não vivesse em São Paulo, não gostaria de viver em Paris, por exemplo?
– É claro. Mas na falta de Paris esta porcaria de São Paulo é que me atrai.

[Oswald de Andrade em “A última entrevista”, publicada no Diário de São Paulo em 21 de novembro de 1954, e disponível em Os Dentes do Dragão]

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Pelos olhos de Marília e Rudá

Marília, filha de Oswald com Maria Antonieta D’Alkmin, e Rudá, filho do escritor com Patrícia Galvão (Pagu), falam das lembranças e das impressões que guardam do pai.

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Os dois Oswald de Andrade

Lá fora novamente, descendo para a rua, vai o repórter meditativamente pesando e medindo os dois Oswald de Andrade. O da legenda, intratável, mordaz, sarcástico, e o que mora no apartamento da Ricardo Batista, fera mansinha e velha, que só fumega ao invés de flamejar, e que nas raras mordidas que dá não machuca ninguém – é um dragão sem dentes…

Na realidade, um homem simples, doente, amigo do serão em casa, hospitaleiro e amistoso. Pacientemente prestou-se a todos os caprichos e futilidades do repórter e do fotógrafo, posou com a criançada no colo, respondeu a todas as perguntas aborrecidas do jornalista curioso, voltou sempre, quando instado, à linha chata da entrevista.

Dessa noite o repórter se lembrará por muito tempo. Esperando enfrentar um monstro, empolado e presumido, foi na verdade conquistado por um velho e decrépito dragão, mitológico bicho que neste século carregou com o nome de Oswald de Andrade às costas…

Entrevista a Frederico Branco
Correio Paulistano
São Paulo, 7 de junho de 1953

[trecho retirado do livro Os Dentes do Dragão]

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imagem: Gregori Warchavchik | acervo: Centro de Documentação Cultural Alexandre Eulalio, da Universidade Estadual de Campinas (Cedae/Unicamp)

De frente com Oswald

Nome comercial: José Oswald de Sousa Andrade.
Nome literário: Oswald de Andrade.
Altura: 1,68m.
Colarinho: 42
Sapatos: 41 – não os desamarra nem para calçar nem para tirar.
Peso: 85 quilos.
Usa óculos para ler. Deveria usá-los para a distância mas não os usa.
Não tem cores preferidas.
A comida de que gosta é a nacional. E os pratos preferidos: vatapá e galinha ao molho pardo com angu. Frutas de que gosta: manga de Itamaracá e mangarito de Mato Grosso, jabuticaba e laranja seleta.
É um ótimo garfo.

[…]

[trecho retirado do livro Os Dentes do Dragão]

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Oswald de Andrade aos 38 anos | imagem: autoria não identificada | acervo: Centro de Documentação Cultural Alexandre Eulalio, da Universidade Estadual de Campinas (Cedae/Unicamp)

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