Pareça e Desapareça
Parece que foi ontem.
Tudo parecia alguma coisa.
O dia parecia noite.
E o vinho parecia rosas.
Até parece mentira,
tudo parecia alguma coisa.
O tempo parecia pouco,
e a gente se parecia muito.
A dor, sobretudo,
parecia prazer.
Parecer era tudo
que as coisas sabiam fazer.
O próximo, eu mesmo,
Tão fácil ser semelhante,
quando eu tinha um espelho
pra me servir de exemplo.
Mas vice versa e vide a vida.
Nada parece com nada.
A fita não coincide
com a tragédia encenada.
Parece que foi ontem.
O resto, as próprias coisas contem.
Campo de sucatas
saudade do futuro que não houve
aquele que ia ser nobre e pobre
como é que tudo aquilo pôde
virar esse presente podre
e esse desespero em lata
Vazio Agudo
La vie en close
Senhor que prometestes
a vida eterna aos filhos de São Bento
obrigado pelos invernos ao vento
e pelo invento do inferno
ainda aqui nesta terra
Para a liberdade e luta
me enterrem com os trotskistas
na cova comum dos idealistas
onde jazem aqueles
que o poder não corrompeu
me enterrem com meu coração
na beira do rio
onde o joelho ferido
tocou a pedra da paixão
Inédito
Asas e Azares
Voar com asa ferida?
Abram alas quando eu falo.
Que mais foi que fiz na vida?
Fiz, pequeno, quando o tempo
estava todo do meu lado
e o que se chama passado,
passatempo, pesadelo,
só me existia nos livros.
Fiz, depois, dono de mim,
quando tive que escolher
entre um abismo, o começo,
e essa história sem fim.
Asa ferida, asa
ferida,
meu espaço, meu herói.
A asa arde. Voar, isso não dói.