De: Até: Em:

Cidadão do mundo

imagem: Artur Ikissima

Milton santos, s.d. | imagem: Artur Ikissima

Compartilhe

Milton e a descrição do mundo

Enquanto redator do jornal A Tarde, professor ginasial e pesquisador, Milton já buscava analisar o mundo, suas estruturas e funcionamentos, identificando e propondo soluções a problemas das realidades regionais sobre as quais se debruçava.

É no Congresso Internacional de Geografia, no Rio de Janeiro, em 1956, que Milton conheceu o geógrafo francês Jean Tricard. A convite do brasileiro, Tricard visitou a Bahia e estabeleceu um vínculo de cooperação científica entre o Brasil e a Universidade de Estrasburgo, na França, além de futuramente incentivar a criação do Laboratório de Geomorfologia e Estudos Regionais da Universidade Federal da Bahia (UFBA), criado em 1959.

Convidado por Tricard, Milton Santos ingressou no doutorado no Instituto de Geografia da Universidade de Estrasburgo. Nas viagens que fez nesse período, o geógrafo brasileiro produziu uma série de artigos para o jornal A Tarde, descrevendo regiões, populações e estruturas sociais de territórios franceses e de países africanos, como Senegal e Costa do Marfim. O contato de Milton com tais realidades seria fundamental para a construção de uma nova visão de mundo do autor. Os textos produzidos nesse período dão origem ao livro Marianne em preto e branco (1960).

“Marianne é o símbolo da França imortal, cuja a força é a do espírito que os nacionalismos africanos souberam absorver a despeito de suas velhas tradições enraizadas; uma demonstração de que as forças espirituais não têm fronteiras, desconhecem os ridículos preconceitos que separam os homens pobres dos ricos, pretos e brancos e amarelos, cristãos e muçulmanos, dominadores e dominados, democratas e socialistas e toda a gama de clãs que a humanidade inutilmente se divide.”

As descrições feitas por Milton em Marianne em preto e branco unem sua observação crítica e seu rigor metodológico na análise do mundo a uma produção textual que se aproxima da literatura.

Seu doutorado dá origem à tese “O centro da cidade do Salvador”, publicada como livro em 1959.

Compartilhe

Milton Santos e sua esposa, Marie-Hélène, s.d. | acervo da família

Compartilhe

“O terrível é que, nesse mundo de hoje, aumenta o número de letrados e diminui o de intelectuais. Não é este um dos dramas atuais da sociedade brasileira? Tais letrados, equivocadamente assimilados aos intelectuais, ou não pensam em encontrar a verdade, ou, encontrando a verdade, não a dizem”

Milton Santos, em "Por uma outra Globalização"

Compartilhe

Milton Santos com seu filho Miltinho e Marie-Hélène, esposa do geógrafo, em Montreal, no Canadá, 1971 | acervo da família

Compartilhe

Seção de vídeo

Um intelectual público

Milton Santos acreditava na ciência e na geografia para a transformação da sociedade. Neste vídeo, a geógrafa Maria Adélia Aparecida de Souza explica o que Milton entendia ser o papel do intelectual público.

Compartilhe

Um cidadão do mundo

Após concluir seu doutorado no Instituto de Geografia da Universidade de Estrasburgo, Milton Santos retornou à Bahia em 1958 e passou a lecionar na Universidade Católica de Salvador, onde aproveitou para organizar diversas conferências abertas com a participação de importantes geógrafos brasileiros e franceses, possibilitando a circulação e a divulgação de saberes para a comunidade acadêmica. No fim da década de 1950, ingressou como professor na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Com o apoio do reitor da instituição, Edgard Santos, e de Jean Tricard, Milton fundou em 1959 o Laboratório de Geomorfologia e Estudos Regionais da UFBA.

Na década de 1960, Milton Santos – e o Laboratório de Geomorfologia e Estudos Regionais – protagonizou um movimento pela renovação da geografia no país, distanciando-se da tradição empírica e descritiva e buscando, de maneira mais estruturada, um arcabouço metodológico para uma disciplina analítica e crítica, debruçada também sobre uma produção teórica – alçando a geografia à posição de ciência. Nesse período, Milton passou a trabalhar de maneira mais ativa com órgãos públicos e administrativos para a produção de estudos e análises sobre diferentes regiões do estado da Bahia.

Em 1961, o então presidente Jânio Quadros solicitou ao jornal A Tarde um redator para acompanhá-lo numa viagem a Cuba. Milton Santos foi o indicado. Nessa viagem, que contou com nomes como Rubem Braga e Fernando Sabino, Jânio e Milton se aproximaram, e o geógrafo foi nomeado oficial de Gabinete e subchefe do Gabinete Civil, alocado na Bahia. Após a renúncia de Jânio Quadros, Milton manteve trabalhos com o Itamaraty no governo de João Goulart, estabelecendo contato com políticos de países africanos nos processos de descolonização. Na Bahia, foi nomeado chefe do Planejamento Econômico, em que se dedicou a pesquisar e repensar a realidade baiana.

Em razão de seus trabalhos críticos, de seu papel na busca por um novo modelo de sociedade e de seus contatos com membros do Partido Comunista, foi preso pela ditadura militar brasileira, com muitos outros pensadores baianos. Pouco mais de três meses, ele foi transferido para a prisão domiciliar e, porque tinha problemas de saúde, foi libertado. Ainda durante seu período na prisão, um grupo de amigos franceses do geógrafo se articulou para nomeá-lo professor na França, possibilitando-lhe asilo político.

Com as portas fechadas no Brasil para sua produção intelectual, Milton se exilou na França em 1964 e iniciou uma carreira internacional que o estabeleceu como um dos maiores geógrafos do mundo. Lecionou na Universidade de Toulouse – onde conheceu sua futura esposa, Marie-Hélène Tiercelin – e na Paris-Sorbonne. Esgotado seu período de permanência na França, passou a viajar constantemente como professor e pesquisador. Lecionou na Universidade de Toronto, no Canadá, e se tornou pesquisador convidado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) por alguns meses. Ao mesmo tempo que lecionava em Toronto, Milton foi nomeado diretor do Venezuela Hoje, programa de urbanização da Organização das Nações Unidas (ONU) no país latino-americano. Posteriormente, trabalhou na escola de engenharia de Lima, no Peru, por cerca de cem dias, e então se mudou para a Tanzânia, onde permaneceu por dois anos, com o objetivo de estruturar a pós-graduação da Universidade de Dar Es-Salaam. Do país africano, mudou-se para Nova York, em 1975, onde lecionou na Universidade de Columbia. No ano seguinte foi convidado para ir à Nigéria auxiliar na estruturação de uma nova universidade no país, mas, com seu segundo filho prestes a nascer, decidiu voltar para o Brasil.

Compartilhe

Milton Santos e sua esposa, Marie-Hélène, em evento social do primeiro curso de pós-graduação em geografia de Caracas, na Venezuela, 1976. | acervo da família

Compartilhe

“Como intelectual eu tenho que me habituar a estar sozinho. Não tenho que me preocupar com quem me acompanha porque não é próprio do intelectual se preocupar se tem apoio ou não. É a produção das ideias e a coragem de defendê-las, até o fim.

Milton Santos em entrevista ao programa Roda Viva

Compartilhe