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Fazer da vida o que dela queria ter feito

Acervo da família

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“Há um momento na vida, curto talvez, em que a maturidade instalada e a lucidez intacta nos fazem refletir com clareza sobre a importância da amizade em nossa existência. Amizade é amor. E mais importante do que amor, quando acalentada pela vida afora” – Tônia Carrero, no programa do espetáculo “Amigos para sempre” (1996).

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Nunca houve uma mulher como Tônia

por Tania Carvalho

Foi em uma tarde chuvosa de fevereiro de 2008 que subi uma enorme ladeira para ir pela primeira vez à casa de Tônia Carrero. Começaria as entrevistas para o livro da Coleção aplauso, um lançamento da Imprensa Oficial do estado de São Paulo.

Na época, a Imprensa Oficial era dirigida pelo professor Hubert Alquéres, cuja paixão pela arte e pela literatura fizeram do órgão um disseminador de cultura. Com a coordenação de Rubens Ewald Filho, a coleção traçou o perfil de centenas de atores, diretores e autores brasileiros.

O livro de Tônia seria especial – eles me avisaram. Ela já havia escrito a sua própria biografia – O monstro de olhos azuis – e não faria sentido outra no mesmo formato. A ideia era fazer um lindo livro, tanto quanto a atriz, que mesclasse fotos da sua profícua carreira com seus depoimentos.

Subi a ladeira, passei pela porta da Rede Globo, onde Tônia fez tantas novelas de sucesso, pensando em como iria começar os nossos papos. Cheguei à sua casa e ela me recebeu com um sorriso daqueles que iluminam a sala. Não é à toa que Paulo Mendes Campos assim a descreveu na juventude: “Ela iluminava Ipanema, as salas, as praias, as ruas”. Conversamos um pouco sobre trivialidades, sobre o filme que ela estava vendo – pena, nem lembro mais qual era –, pois me senti um pouco ansiosa para engrenar o que interessava. Tola, eu. Alguns minutos depois, ela se desculpou, mas estava esperando o leiloeiro para uma conversa. Marcamos nova data, uma semana depois. Desci a ladeira um pouco mal-humorada. Chuva de novo? Não sabia ainda que aquele livro seria um dos mais importantes da minha vida.

No nosso segundo encontro, ela me recebeu como a grande diva que era, recostada em sua enorme cama, no seu imenso quarto. E começou a desfiar suas memórias, de forma não linear, como se o importante fossem as sensações que os fatos causaram: seu primeiro casamento, com Carlos Thiré; o nascimento de seu único filho, Cecil; o segundo casamento, com Adolfo Celi, o grande diretor italiano, o “C” do TBC, que antes era casado com Cacilda Becker – “A verdade é que eu queria ser a Cacilda”, confessou entre gargalhadas –; e o terceiro casamento, com César Thedim. “Sempre me casei com quem eu quis, mas nunca deu certo.”

Tônia não cabia somente com um homem. Ela seguiu o caminho de ser amada por muitos intelectuais que a conheceram em saraus literários, entre eles, Paulo Mendes Campos, que cunhou uma das melhores frases sobre a atriz. Quando alguém comentou que ela falava pelos cotovelos, ele retrucou na hora: “Mas que cotovelos!”.

Pouco falamos de teatro, cinema ou televisão. Contei o formato que o livro teria e ela abriu uma gaveta e começou a tirar pequenas fotos dos netos, dos amigos, de aniversários, lembranças mais caras para ela do que a fama. E assim continuou por todos os nossos encontros, até que fui salva pelo seu sobrinho Leonardo Thierry, que abriu a caixa de Pandora, ou seja, enormes armários com a história da carreira de Tônia em fotografia.

O livro estava pronto iconograficamente. Para o texto, optei por uma forma pouco tradicional, usando tudo que havia sido dito sobre ela, com pitadas de seu extenso currículo e uma longa apresentação que assim encerrei: “Estar com ela foi uma temporada inesquecível para mim, que tive o prazer de conviver com este ‘monstro de olhos azuis’ e admirar a sua força, inquietude e arrojo, que nem os anos conseguiram abater. De vez em quando ela reclamava da dificuldade de caminhar ou da memória que insistia em ratear. Mas são poucos segundos de queixumes. Em seguida ela remexia os cabelos anelados, dava um sorriso e seguia em frente – diva como sempre”.

Quando leu o livro, ela me telefonou e fez o maior elogio que eu poderia receber: “Nunca fui tão bem retratada e respeitada como nesse livro”. Como último esforço, já que sua saúde andava precária, Tônia foi ao lançamento de Movida pela paixão, em 2009, em uma livraria de Ipanema, no Rio de Janeiro (RJ). Não conseguiu andar até o final do local, onde havia sido montada a mesa de autógrafos, parou no meio do caminho, sentou-se em uma poltrona e foi reverenciada por centenas de pessoas.

Tônia partiu em março de 2018, mas sempre será lembrada como a mulher que viveu à frente do seu tempo. Nunca houve uma mulher como ela, tão bela e tão audaciosa.

 

Tania Carvalho é jornalista e escritora.

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Tônia Carrero e seu filho, Cecil Thiré, na peça A Divina Sarah, de 1984. Acervo da família

Tônia Carrero e seu filho, Cecil Thiré, na peça A Divina Sarah, de 1984. Acervo da família

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“O segredo da juventude tão longeva de minha mãe deve estar ligado ao entusiasmo que tem para se lançar a cada novo projeto. Alegre, generosa, sem nenhum tipo de temor diante da vida, assim a vi passar de jovem quase ingênua entrando na maturidade, lenta e gradualmente, e mantendo-se neste processo de amadurecimento quando os adversários teimam em dizer a ela que esmoreça, abrande o ânimo, diminua seu fogo, acomode-se e se recolha mediante o avanço da idade. Qual o quê!!!” – Cecil Thiré no programa do espetáculo “A visita da velha senhora” (2002).

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Acervo da família

foto: acervo da família/autoria desconhecida

Tônia Carrero

foto: acervo da família/autoria desconhecida

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Seção de vídeo

Luísa Thiré e Carlos Thiré, netos de Tônia, contam da animação e do afeto cheio de exclamações da avó. Além disso, relevam os desafios de Tônia na escolha da profissão de atriz, a busca da avó pela felicidade e o seu compromisso de compartilhar esse sentimento com as pessoas.


Depoimento gravado em maio de 2022.

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Tônia Carrero

Foto que a atriz manda reproduzir para autografar e enviar aos fãs | foto: acervo da família/autoria desconhecida