De: Até: Em:

Na casa do público

O cafona

Tônia como a personagem Beatriz Monteiro na novela O cafona (1971) da TV Globo, com direção de Daniel Filho e Walter Campos | foto: acervo da família/autoria desconhecida

Para as personagens de Tônia Carrero na TV

Tônia Carrero

Tônia como Cristina Guimarães na novela Pigmalião 70 (1970), da TV Globo, com direção de Régis Cardoso | foto: acervo da família/autoria desconhecida

Sangue do meu sangue

Tônia nos bastidores da novela Sangue do meu sangue (1995-1996), do SBT | foto: acervo pessoal/autoria desconhecida

Compartilhe

Crescendo com a presença de Tônia Carrero

Em torno dos 10 anos, Lucas Moraes descobriu Tônia Carrero. O verbo é mesmo descobrir, já que, desde a primeira pesquisa na internet, surgiu um encantamento sem tamanho. Descobrir como quem descobre o mundo. Ou, ao menos, um novo mundo: o universo da arte apresentado para o então menino por uma atriz cuja presença segue viva em Lucas. Museólogo e produtor cultural, o sempre fã de Tônia conta sobre essa admiração longamente cultivada. Confira a entrevista. 

Quando e como você ouviu falar, pela primeira vez, em Tônia Carrero?
Engraçado, fiquei pensando quando e como foi a primeira vez em que ouvi falar em Tônia Carrero. Eu era tão novo: tinha por volta dos 10 anos, isso em 2003, e morava em Bom Sucesso, interior de Minas Gerais. O único acesso à informação se dava por meio da TV aberta, de jornais impressos e da lan house que possibilitava que eu pudesse conhecer as estrelas e os astros que me fascinavam. Comecei, nessa época, a criar o hábito de anotar as biografias com a filmografia dos artistas que eu gostava. Ao longo dos anos, conheci o trabalho de diversos artistas e todo o fascínio desse mundo bem amplo. O meu encontro com Tônia aconteceu por intermédio da Wikipédia: ao pesquisar sobre atrizes brasileiras, eu me deparei com as fotos de uma mulher com tamanha presença (presença que se faz para além da beleza) que fiquei encantado. Imagina uma criança conhecendo uma divindade, mesmo que seja através de fotos? Tônia Carrero e Eva Wilma foram as primeiras que me conquistaram. Lembro até hoje do dia em que pesquisei sobre Tônia e anotei tudo a respeito dela, tudo o que encontrei naquele momento. Ainda tenho essas anotações.

Você acompanha, desde os dez anos, a trajetória de Tônia. Como surgiu esse fascínio?
O fascínio por Tônia (por sua carreira e, inevitavelmente, por sua vida pessoal) começou desde o primeiro momento em que me deparei com as informações dela na internet. Em especial, quando passei a ter um aparelho de DVD e pude alugar, na locadora, Tico-tico no fubá (1952). Mesmo após duas décadas, não sei explicar o que senti ao vê-la na tela. Lembro-me que, em um único fim de semana, assisti ao filme várias vezes, sem me cansar e sempre em estado de surpresa.

No mesmo período, em meados de 2005, vi É proibido beijar (1954), exibido na Rede Minas. Fui à loucura quando vi a propaganda e consegui assistir ao longa na pequena TV da minha avó. Todo esse primeiro contato aconteceu por conta dos filmes de Tônia e de recortes de revistas (os quais, felizmente, preservei em uma pasta). Esses recortes, aliás, fazia de forma ‘’clandestina’’ quando ia ao consultório médico e aproveitava para folhear publicações como Caras e Contigo!.

Como você criança olhava para Tônia?
Ao ver os filmes de Tônia (em particular, Tico-tico no fubá), eu não piscava. Sabe aquele encanto ao olhar para uma pessoa que você ama e admira, mas que, na opinião de muita gente, pode parecer um sentimento estranho por se tratar de uma artista que não tem noção da sua existência? Pois é, nunca consegui achar o porquê de algumas personalidades nos fascinarem, nos fazerem sentir tão próximos delas e até ficarmos ansiosos esperando pela oportunidade de vê-las nem que seja na televisão ou em uma revista, por exemplo.

Recordo-me de uma foto em uma matéria de revista, na qual Tônia, sem surpresas, já com os seus 84 anos, está magnífica. Os cabelos ondulados, vestida toda de preto, calçando um sapato belíssimo (se eu pudesse, teria esse sapato), deslumbrante, sentada, segurando uma taça de vinho enquanto curtia o pocket show da cantora Vera Pratini de Moraes. O título da matéria: “Diva Tônia Carrero – Tributo em Porto Alegre”. A ocasião envolvia um jantar na casa da advogada Eliana Azevedo e um dos comentários de Tônia condiz com tudo o que ela é (não gosto de falar ‘’era’’ já que Tonia é uma eterna presença nas nossas vidas): “Muito elegante este gesto de nos receber em casa”.

Você chegou a ver Tônia Carrero ao vivo? Se sim, como foi essa experiência? Se não, em qual trabalho ou circunstância você gostaria de a ter visto?
Infelizmente, não tive a oportunidade de conhecê-la pessoalmente. Quando Tônia realizou Um barco para o sonho (2007), o seu último trabalho no teatro, tinha 14 anos e queria eu morar em São Paulo para pedir que a minha mãe me levasse para assistir à peça.

Gostaria de ter assistido ela e Paulo Autran atuando juntos (pena que nasci atrasado) – principalmente, no espetáculo Um deus dormiu lá em casa’’ (1949), a estreia e o encontro desses monstros sagrados do teatro brasileiro. Destaco também a vontade de a ter visto em Navalha na carne (1967) (imagino que tenha sido um êxtase completo: ela despida daquela imagem de beleza quase intocável e comprovando, não que fosse necessário, todo o seu talento e poder em cena) e A divina Sarah (1984), no papel-título de Sarah Bernhardt.

Um tio meu, ao saber que sou fascinado por Tônia, me contou que, nos anos 1990, ele estava em um restaurante em Belo Horizonte quando Tônia Carrero e Paulo Autran entraram, cena que retratou como uma aparição dos deuses. Esse relato só reforçou a minha impressão.

Vamos falar sobre Tônia na televisão. Há alguma personagem que a atriz interpretou na TV que te surpreenda, encante ou instigue de alguma forma? Se sim, qual? E por quê?
Sim. Stella Simpson, da novela Água-viva (1980). Uma grã fina que transita entre a futilidade e o sublime, com uma presença hipnotizante e atitudes que causaram polêmica – como a cena do topless na praia (Stella e Tônia tinham então quase 60 anos), que muito remete, salvo proporções e contextos, a Leila Diniz grávida com o barrigão à mostra enquanto se banhava no mar. Essa cena em questão, no contexto de 1980, chocou quem estava no local durante a gravação, o elenco de apoio e, com certeza, os espectadores não esperavam por tamanha ousadia. Porém, Stella, assim como Tônia, era livre, dona de si e de seus propósitos.

Tônia lançou algumas tendências na televisão. Há alguma que te chame a atenção?
A personagem Cristina em Pigmalião 70 se tornou tendência em razão do corte de cabelo repicado e curto, que ficou conhecido como “corte pigmaleão”, uma febre entre as mulheres de todo o Brasil. Sem dúvidas, foi uma das maiores tendências lançadas por Tônia na televisão. Trata-se da sua segunda novela e a primeira na Rede Globo, o que propiciou que a figura da atriz chegasse longe e, consequentemente, o seu cabelo gerasse tanta repercussão. Além do corte, o lenço que a personagem utilizava em cena é, para mim, um marco especial, um toque que molda ainda mais o rosto da artista e que casa bem com o que a década de 1970 representou culturalmente (o “início” de uma moda que ganharia grande adesão, ainda mais entre os jovens).

Como você acha que a moda influenciou na forma como a atriz construiu as suas personagens na televisão?
Tônia sempre foi elegante e as suas personagens correspondem, na maioria dos casos, a mulheres finas. Logo, acredito que o seu conhecimento de moda contribuiu para a construção de suas personagens nas novelas – e também de sua persona. Figurinos, maquiagem (que a atriz não dispensava), postura e atitudes compõem uma imagem que, por outro lado, a limitava, muitas vezes, aos mesmos papéis. Tônia comentou que os diretores não a viam, por exemplo, interpretando uma personagem que mora no morro ou que veste roupas simples. Uma pena. A atriz fez, de maneira brilhante, a peça Navalha na carne e, no cinema, Fogo e paixão, trabalhos em que ela não recorre a belos figurinos e maquiagens.

Você tem objetos/publicações/alguma coleção relacionada à artista?
Além dos recortes de revistas e das anotações que mencionei, tenho o DVD Tico-tico no fubá, o livro Tônia Carrero Movida pela paixão, uma publicação da coleção Aplauso, escrita pela Tania Carvalho, com imagens belíssimas e ensaios da atriz realizados durante a sua trajetória. Consegui esse volume em 2011, aos 18 anos, encomendado com uma senhora que tinha uma livraria pequena e conseguiu, na época, encontrá-lo novinho. Tenho ainda o livro de memórias lançado pela própria Mariinha (ouso chamá-la assim, como a família e amigos próximos a chamam) em 1986: O monstro de olhos azuis.

Caso pudesse, o que você falaria para Tônia Carrero hoje?
Difícil imaginar o que eu falaria, de fato, se me encontrasse com Tônia Carrero. Diria o quanto ela é importante para diversas gerações de fãs e agradeceria por fazer parte de minha vida, da construção do meu ser apaixonado por artes e, principalmente, pelo cinema. Tentaria expressar da melhor forma o meu amor e carinho por ela.

Em 2014, tive uma chance de ‘’falar’’ com ela por meio de uma publicação no Facebook no dia do seu aniversário. O seu sobrinho e afilhado, Leonardo Thierry, viu a publicação, comentou que mostrou para Tônia e ela ficou feliz.

Quem é, no presente, Tônia Carrero para você?
Tônia Carrero é uma pessoa próxima, cresci contando com a sua presença alegrando os meus dias. O fato de uma pessoa te deixar feliz, mesmo sem que ela saiba disso, é belo e único. Nos últimos anos de sua vida terrena, sempre rezava por ela, falava o seu nome completo em orações e pedia por sua saúde, como uma pessoa de minha família. Eu a amo e esse amor de criança prevalece em mim, eterno.

Museólogo e produtor cultural, Lucas Moraes Augusto Costa é bacharel em museologia pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Pós-graduando em gestão e conservação do patrimônio cultural pelo Instituto Federal Minas Gerais (IFMG). Atualmente, atua como gerente cultural na Associação de Cultura Franco Brasileira Aliança Francesa de Belo Horizonte (MG).

Compartilhe

Lucas Moraes - Coleção

Coleção de Lucas Moraes | crédito: Lucas Moraes

Compartilhe

Tônia Carrero

foto: acervo pessoal/autoria desconhecida

Compartilhe