Hora da Notícia

A trajetória jornalística de Vlado foi marcada pela preocupação com as temáticas sociais e pela paixão pelo cinema – e, em ambas, pela insistência na qualidade do texto, o que transparece nas matérias escritas por ele e que permanece latente nas que editou.

Essa carreira é o tema desta seção. A partir de depoimentos de colegas que trabalharam com ele, conhecemos o seu rigor e os seus interesses jornalísticos. Pela leitura das suas reportagens, vemos seu cuidado em abranger as várias facetas da notícia e o esmero na descrição de situações e personagens.

Todos os textos de Vladimir Herzog transcritos nesta página respeitam a grafia original de seu autor.

Seção de vídeo

O Jornalista

Este vídeo trata da visão e atuação de Vladimir Herzog no jornalismo, por meio de depoimentos de seus colegas jornalistas Zuenir Ventura, Sérgio Gomes e Nemércio Nogueira.

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Um Dia de Vida da Cidade Nova

Dos Enviados Especiais

BRASÍLIA, 22 (“Estado”)— Ás 9 horas e 30 de hoje, Brasilia completou um dia de vida oficial. Criança que é, a nova Capital brasileira iniciou uma manhã com uma festa dedicada ás crianças, ás centenas de crianças que aqui vivem e ás muitas que aqui nasceram. Como convém a uma criança, Brasilia também brincou, E claro, houve também coisas serias, solenidades que se constituiram nos pontos altos da inauguração: a missa campal, os atos de instalação da Camara, do Senado, do Congresso e dos Tribunais de instancia superior. Para confirmar o tom de seriedade do acontecimento, vêem-se em Brasilia numerosas casacas e lustrosas cartolas. Colarinhos engomados, em cujos bordos percebe-se o autografo vermelho do planalto goiano.

Mas Brasilia é uma criança. Ainda recém-nascida, brincou com fogo, naturalmente de artificio. Ontem á noite e hoje, entre uma e outra sessão solene, entre a chegada de um governador, um almoço oficial e a partida de um prelado, Brasilia ilumina o seu céu com espetáculo multicolorido e barulhento.

METAMORFOSE

Milhares de assistentes acompanham o espetaculo e mal têm tempo de assimilar as maravilhas que lhes são mostradas em sessões continuas, de manhã á noite. Este publico é constituido por um bom número de crianças, mas, sobretudo, por uma esmagadora maioria de adultos. Adultos que, para poder gozar em sua plenitude tudo quanto lhes é dado ver, precisam a todo momento colocar-se na pele das crianças que já foram para, deste modo, tornarem-se permeaveis á grandiosidade, ao fausto, ao bombastico e imunizarem-se contra a poeira, a confusão, a precariedade de meios de comunicação, os discursos laudatorios, repletos de vazia retorica.

A curiosidade infantil levou milhares de pessoas ás solenidades da praça dos Três Poderes. Ao avançar das horas, muitos dormiram durante a missa; poucos dormiram no espetaculo pirotecnico.

Vitima ele proprio da metamorfose geral, o presidente da Republica quase sempre sorri. Por que sorri muito de manhã, franze a testa quando o dia vai em meio e não se furta a um bocejo quando desce a noite. Brinca bastante o presidente. Concede autografos ás centenas, aperta a mão de todos quantos conseguem chegar-lhe perto. Dá entrevistas ao microfone e responde de bom grado, dezenas de vezes, ás mesmas perguntas. Sua expansividade, por vezes, torna-se perigosa, como quando, por ocasião da cerimonia no monumento, o poeta Guilherme de Almeida e alguns ministros viram-no, desgostoso com o excessivo zelo dos guardas da Policia do Exercito, que impediam a aproximação do povo, esboçar um gesto de “venham cá”, e a multidão, numa fração de segundo obedeceu.

Até a natureza, honestamente brincalhona, colabora com o chefe do Executivo: momentos antes da assinatura dos atos da fundação, o céu de Brasilia apresentava-lhe uma alvorada luminosa. Á tarde, o desfile militar realizou-se sob a moldura de um gigantesco arco-iris. O espetaculo pirotecnico da noite de 21 de abril rivalizou com o cintilar das estrelas.

RESCALDO

A criança nasceu. A curiosidade que precedeu ao feliz evento, em boa parte satisfeita, mostra os seus efeitos. Vinte e quatro horas depois, há menos gente nas ruas de Brasilia. O forasteiro já pode com alguma facilidade encontrar alimento. Pode também encontrar lugar para dormir.

Nas ruas fala-se menos francês, menos inglês, menos italiano e muito menos espanhol. Com um pouco de sorte, poderá encontrar-se um brasileiro.

Agora, a poeira não é tanta nas ruas de Brasilia. Ela é maior nas estradas que ligam a nova Capital aos diversos estados. Centenas de automoveis empreendem a viagem de regresso. Os aviões, que antes partiam de Brasilia vazios, ainda não chegam vazios, mas partem cheios.

Brasilia tem agora um dia de vida. Amanhã terá dois. Os que viram-o seu nascimento fazem conjeturas sobre o futuro da criança: tem boa saude? Parece-se mais com o pai ou com a mãe? Será bem sucedida na vida? Demorará muito a ter coqueluche?

Estas e outras perguntas, fazem-se a si mesmos e entre si os que estão ou estiveram em Brasilia. Numa coisa, porém, são concordes: a criança é linda. Ainda é um pouco suja, más, convenhamos, só tem um dia…

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Industrialização do peixe traria solução ao problema do pescado em nosso Estado

Vlado Herzog

Nosso enviado especial

Segundo opiniões colhidas entre os pescadores que operam no Entreposto de Santos, não deveria haver falta de peixe por ocasião da Semana Santa, isto porque a presente época é das mais favoráveis para a captura, especialmente de sardinha, especime que em janeiro do ano passado atingiu 700 toneladas desembarcadas naquele local. Entretanto, em que pese o alto índice de captura, o pescado não deverá sofrer redução do preço. Alegam os pescadores e armadores que a presente época é aproveitada para o ressarcimento dos prejuizos sofridos durante os meses pouco produtivos.

Relativamente ao pouco desenvolvimento da pesca em nosso litoral, queixam-se os pescadores que o trabalho raramente é compensador, pois, além de terem elevados gastos com o rancho, combustivel, carreto etc., o consumo é na maior parte do ano inferior á captura. Opinam eles que a instalação pelos orgãos oficiais de estabelecimentos para a industrialização da pesca viria a resolver tal problema, além de proporcionar maior estabilização economica do mercado pesqueiro.

PRODUÇÃO

Cerca de 160 barcos descarregam no Entreposto de Santos, que no periodo compreendido entre julho de 1958 e junho de 1959 recebeu um total de 13.712.500 quilos de peixe. Das especies capturadas figura em primeiro lugar a sardinha (19,7%), seguida pela pescada foguete (17,4%) e por mistura (14%). Seguem-nas a corvina, a albacora, o guete e o cação. Do chamado pescado caro (crustaceos) foram no mesmo periodo apanhados 1.238.015 quilos de camarão, constituido pelo camarão rosa (52,7%), sete barbas (43,2%) e legitimo (4,1%).

AUMENTO DA CAPTURA

Estudos recentemente realizados no Entreposto pelo Serviço de Biologia da Pesca do Instituto Oceanografico da USP e pelo Departamento da Produção Animal da Secretaria da Agricultura mostraram que, no tocante á sardinha (peixe de maior captura e consumo), a esmagadora maioria dos exemplares capturados e desembarcados não ultrapassa de dois a três anos de idade. Como as sardinhas mais velhas são geralmente as maiores, procuram agora aqueles tecnicos identificar os lugares onde estariam os cardumes de sardinhas mais desenvolvidas, bem como resolver o problema do não aparecimento destas nos locais de pesca. A este proposito, esclarecem eles que existem três possibilidades, apontadas pelas investigações: ou a concentração de sardinhas se localiza ao largo do litoral do Estado do Rio, ou está subdividido em cardumes separados uns dos outros. A terceira possibilidade aponta a localização do cardume em alto mar, não sendo alcançado pelos barcos pesqueiros, os quais, em virtude da falta de aparelhamento adequado de localização e baixa potencia dos motores, não ultrapassam a distancia de 6 milhas ao largo do litoral.

Por identica razão, isto é, por falta de embarcações que permitam a realização de pesquisas em alto mar, os cientistas e tecnicos do IO e do DPA não têm meios para, no momento, efetuarem estudos sistematicos dos cardumes que se supõem localizados nestas regiões e que permitiriam, caso concretizados, o acesso dos barcos pesqueiros aos cardumes de sardinhas localizados além daquele limite.

PROBLEMAS DO PESCADOR

A precariedade de nossa organização pesqueira afeta, por outro lado, o homem que apanha o peixe no mar: o pescador. Submetido a um trabalho estafante, em que diversas vezes passa dias e noites sem dormir, o pescador, em regra geral, recebe irrisoria compensação pelo seu trabalho. O sistema de pagamento usual é o das partes; após o desembarque do peixe, o armador ou o orgão cooperativista faz os descontos de carreto, combustivel etc., além de estipular o preço por caixa. Ao fim de tudo, o mestre distribui a quantia recebida entre a tripulação, numa proporcionalidade hierarquica . Casos houve em que, de aproximadamente 300 mil cruzeiros de mercadoria, os pescadores do barco receberam, em conjunto, após um mês de trabalho, a quantia de 25 cruzeiros.

REIVINDICAÇÕES

No Sindicato dos Pescadores de Santos acham-se registrados 625 associados. Dentre suas reivindicações destaca-se a que requer sejam proporcionados meios para que os pescadores possam transportar o pescado diretamente aos centros consumidores, escapando assim á interferencia dos intermediarios.

Falta para os pescadores um ambulatorio, onde possam ser atendidos quando da frequente ocorrencia de acidentes durante o trabalho. Pleitearam eles junto ás autoridades governamentais a construção de uma Casa do Pescador, não tendo sido até agora atendidos. Também não dispõem de uma cooperativa de consumo.

Numerosos são os pescadores do nosso Estado que, após uma ou duas decadas de trabalho, ainda não conseguiram amealhar uma soma suficiente para construirem sua casa propria ou para custearem a educação da prole, não raro numerosa. A miseria geral em que vive o pescador leva-o a um estado de espirito ambivalente; de revolta e de apatia. Revolta contra o padrão de vida que é forçado a levar e apatia diante da subordinação a que é sujeito pelos armadores, cooperativas de pesca e outros intermediarios do mercado. Sua grande esperança, como já foi apontado acima, é aquela depositada nos poderes estaduais aos quais o pescador reclama maiores possibilidades de participação na venda e a criação de industrias que atuem como fontes consumidoras em larga escala do pescado com possibilidade de captura.

PREÇOS

Como se poderá verificar pela tabela abaixo, são marcantes os desniveis dos preços compreendidos entre o local de desembarque e o local de distribuição ao consumidor. Eis os preços médios atuais, por quilo, para as principais especies comerciais:

Especie Do pescador ao armador No varejo
Sardinha…………………………… Cr$ 6,00 Cr$ 15,00 a 20,00
Corvina…………………………….. Cr$ 18,00 Cr$ 45,00
Pescada-foguete……………. Cr$ 30,00 Cr$ 80,00
Goete……………………………….. Cr$ 20,00 Cr$ 35,00 a 50,00
Pescada-cambucu…………. Cr$ 60,00 Cr$ 150,00 a 180,00
Mistura……………………………… Cr$ 5,00 a 15,00 Cr$ 35,00
Camarão sete barbas….. Cr$ 30,00 Cr$ 80,00
Camarão rosa……………….. Cr$ 180,00 Cr$ 300,00
Camarão legitimo……….. Cr$ 150,00 Cr$ 250,00

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Revista Visão

O trabalho do jornalista Vladimir Herzog e equipe na Revista Visão – que circulou de 1952 a 1993 –, em depoimentos dos colegas, também jornalistas, Zuenir Ventura, Nemércio Nogueira e Sérgio Gomes.